Marcaram de sair. Sexta à noite, dia internacional do namoro. Quem sabe rola algo no sábado também, mas ainda é cedo pra saber. Cinema. Jantar depois. Talvez uma caipirinha pra animar. Não, caipirinha não, um vinho. Melhor falar um Drink, mais chique. Se conheceram naquele aniversário de um amigo em comum. Se apresentaram com "três beijinhos pra casar". O amigo foi que propôs a brincadeira. Ela se martirizando porque não foi no salão e sua cutícula estava em estado lamentável. "Será que homem repara? Não, repara não." Ele arrependido por ter ido com aquela camisa amarrotada. "Essa camisa parece que saiu de uma garrafa". Mas gostaram um do outro. Conversaram sobre música. Ela gostava de Rock, ele de MPB, mas ambos fizeram concessões. Falaram sobre comida também. Ela tentou fazer tipo, dizendo que gostava de coisa saudável - mentira, comia no Mc Donald's umas 4 vezes por semana. Ele tentou fazer o tipo sofisticado dizendo que adorava restaurantes - mentira, era cliente do Pastel do Zé há 10 anos. Contaram sobre as viagens que já empreenderam: ela para a Patagônia, ele tinha ido pra o Canadá duas vezes - tinha família lá. Ela começa a analisá-lo:"hum... interessante, bem humorado, cara de sério, sofisticado, mora sozinho, deve saber se virar. Tem um charme quando pisca o olho esquerdo. Sorriso bonito." Ele também: sozinha aos 30, sei não...mas é bonita, faz o tipo gostosinha, falsa magra, olhar bonito, também gostei do sorriso. Conversa interessante, parece ser inteligente. Trabalha num negócio próprio, independente, será que é feminista demais? Se for é um saco."
E agora estavam ali naquela sexta à noite. Ela esperando ele chegar. Checou o hálito, se havia batom nos dentes. Se olhou no espelho mil vezes. Viu um pêlo saindo da sobrancelha. Droga, pêlo teimoso. Será que homem repara? Não, não repara. E a roupa? Será que tá boa? Escolhera um vestido não muito curto pra ele não achá-la ousada demais, mas não muito longo a ponto de parecer uma vovozinha. Perfume suave, maquiagem leve. Homem gosta do que parece natural. Mas justo na sexta apareceu aquela espinha bem na ponta do nariz. Daquelas que doem. Saco. Será que ele repara? Isso repara. Mas dane-se, ninguém é perfeito. Por falar nisso, devia se lembrar de não falar palavrão, falar baixo e comer devagar. Sua mãe a repreendia dizendo que era por isso que estava sozinha. Besteira. Todo mundo xinga. Mas é melhor não fazer isso no primeiro encontro. Olhou dentro da bolsa. Carteira, celular, maquiagem, chave de casa. Cartão de crédito e dinheiro. Será que ele ia pagar a conta? Claro que sim, tinha cara de ser um cavalheiro. Mas ela ia se oferecer, claro. Fazer questão de dividir. Será que ele ia achar feminista demais ou só educado? Na hora ela resolvia. Será que rolaria algo mais? Não, primeiro encontro. Não queria ser taxada de "fácil" logo assim de cara. Mas e se eles nunca mais saíssem? Ia perder a oportunidade. Não, não. Melhor só jantar, conversar. E só. Só isso. Ele está atrasado 10 minutos. Não, ela que estava adiantada. Relógio adiantado era mania. Isso faz parecer que é ansiosa. Mas é mesmo. Ah, dane-se. Ninguém é perfeito. É sentar e esperar.
Enquanto isso ele estava no carro, saindo de casa. Checou o hálito, a barba. Tinha uma falha na barba. Será que ela vai reparar? Repara, mulher repara em tudo! Camisa mal passada outra vez. Mas não tinha problema, ele podia dizer que foi por causa do carro. O carro estava em ordem? Estava. Menos aqueles livros jogados ali em cima do banco traseiro. Ninguém vai sentar ali. Mas mulher repara. Melhor tirar. Olhou os CD's. Lembrou que disse que gostava de Chico Buarque. Não tinha nenhum. É só dizer que esqueci em casa. Dá uma sensação de que não estou nem aí. Mulher gosta disso. E de foto da mãe na carteira. Ou de algum sobrinho. Não tinha. Cartão de crédito, dinheiro. Melhor ir prevenido. Comida saudável é caro. E ela gosta. Como é que gosta de coisa sem graça? Será que ela vai se oferecer pra dividir a conta? Seria legal da parte dela. Droga, passei do prédio. Será que ela já está esperando? Com certeza não, mulher sempre atrasa. Mas ela é independente, tem jeito de "pontual". Não parece ser daquelas que se produz demais não. Será que ali é ela, de vestido? Nossa! Está diferente da última vez que a vi.
Não sabiam pra onde ir. Comida saudável? Restaurante caro? Coisa chata. Queriam só ficar conversando. Foi aí que ele teve a ideia que ela adorou. Acabaram a noite no Pastel do Zé, ela xingando a política econômica do governo atual e ele dizendo que não se dava muito bem com a mãe. E foi assim que de fato começaram a se conhecer.