O sonho da aprovação em concurso público é partilhado por muita gente, de pessoas que passam madrugadas apertando a tecla F5 para ver a divulgação do gabarito a pessoas que choram porque suas notas foram 0,5 pontos menores.
Neste universo estranho é preciso ter dedicação, sorte, paciência e estômago. Explico o porquê deste último.
Lembra daquele coleguinha da 4ª série que não deixava você copiar a matéria pelo caderno dele? Isso, aquele que virava as costas e colocava o caderno do outro lado da carteira para que você, que não conseguiu acompanhar o que era ditado pelo professor, não visse o que ele tinha escrito e não aprendesse a matéria.
Pois é. No mundo dos concursos muita gente é aquele coleguinha da 4ª série.
A gente ouve tanto as pessoas comentarem que a concorrência está cada vez maior, que o mundo está cada vez mais competitivo, que nos tornamos tão mesquinhos e imaturos quanto o coleguinha. Na verdade, desenvolvemos o pensamento de que o nosso fracasso está ligado ao sucesso do outro, e que este, logo, não pode ser querido. Assim, se eu contribuir para o seu fracasso, não emprestando o material, ou me recusando a te passar aquele resumo, eu tenho maiores chances de vitória.
Há poucos dias eu estava em Maceió participando de um curso de formação do concurso para analistas do Tribunal de Justiça de Alagoas. 367 concurseiros se avolumavam nos corredores da ESMAL - Escola de Magistratura de Alagoas e foi lá que eu pude ver de perto o que o concurso público faz com as pessoas.
Ao meu lado, um pessoal começou a conversar sobre o caso de uma moça que foi aprovada em um concurso de Ministério Público, para Promotora de Justiça. Para quem não sabe, são exigidos do candidato que este comprove 3 (três) anos de atividade jurídica, que pode ser a advocacia ou o exercício de qualquer cargo privativo de bacharel em direito. Essa moça, no entanto, não possuía os três anos. Disseram que ela era praticamente recém-formada ou que possuía, no máximo, 1 ano como bacharela.
Resultado: ela passou no concurso para promotora, tirou nota alta em todas as fases. Mas na era de comprovar os requisitos, não tinha os três anos de atividade. Assim, conforme o princípio do "Joga o barro na parede para ver se cola" ela juntou comprovação de seus estágios e outras atividades. Quem sabe poderiam aceitar.
E aceitaram.
Mas uma colega de faculdade representou contra ela no próprio Ministério Público, demonstrando que ela era praticamente recém-formada. Então a moça não tomou posse e perdeu a vaga que tinha conseguido por esforço próprio.
Claro que a aceitação do estágio como atividade jurídica não era lícita, legalmente falando. Provavelmente outras pessoas deixaram de participar do concurso justamente porque não tinham como comprovar esses 03 anos de atividade jurídica. Claro que do ponto de vista jurídico era totalmente legítima a insatisfação com a quebra do princípio da isonomia, a igualdade entre todos.
Mas, analisando tudo sob uma perspectiva essencialmente humana, eu penso: o que leva uma pessoa a querer levar a outra ao fracasso sem motivo algum? Qual a sensação produzida no corpo da delatora, que tornou-a mais feliz com a tristeza da outra?
Essa tensão, essa angústia, esse medo causado pelo concurso público e todo o estresse que antecede a realização das provas parece ter um efeito no próprio sentimento de solidariedade entre as pessoas. Você não precisa passar as respostas para o outro, mas também não precisa ver no outro o seu inimigo, aquele que vai tirar sua vitória.
Se agirmos desse jeito, jamais deixaremos de ser o coleguinha da 4ª série, que não sabe conviver com os outros. Inseguros, imaturos, infantis e mesquinhos, vamos ter raiva pelo sucesso do outro. Vamos rir do fracasso alheio e em vez de ajudar em alguma coisa na qual nos saímos melhor, vamos colocar o pé atrás do outro e aplicar-lhe uma bela de uma rasteira.
Por um tempo de mais delicadeza, devemos sempre lembrar que em qualquer concurso público e na vida como um todo, todos nós só temos um concorrente. Aquele que nos contempla no espelho.