quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Dos que não conseguem morrer: o amor e o sonho.

Este texto deveria estar impregnado de otimismo, cheirando a esperança e fé, e eu queria que ele tivesse o poder de penetrar os corações e de irradiar luz nas pupilas opacas dos que sofrem. Bastaria isso para que eu seguisse essa minha vida pretensamente feliz por entre os séculos, ainda que já não habitasse esse corpo.

Em "O Auto da Compadecida" o personagem Chicó costuma falar, mais de uma vez, que "Tudo que é vivo morre.". Ouso discordar do mestre Ariano Suassuna para dizer que só duas coisas essencialmente vivas jamais conseguem morrer: o amor e o sonho.

Mas tenho visto - com esses olhos que foram feitos para ver as belezas do mundo, e não sem assombro -, como a falta de amor tem levado a vida humana à mais horrível miserabilidade. Seguimos como um rebanho de condenados, ricos e pobres, a achar que vida é isso que nos é apresentado todos os dias.

Pobres de nós, na maioria das vezes mortos-vivos, a cumprir a rotina triste da falta de amor.

Recuso-me a acreditar - e achar normal - que pessoas foram feitas para serem desprezadas, machucadas, malcuidadas, humilhadas. De coração. E eu queria muito mesmo ter a coragem de agir, de fazer algo concreto, algo real para mudar a condição de vidas que se perdem todos os dias em virtude de nossas inércias cômodas.

Algumas pessoas acham que são melhores que outras em alguma coisa: na cor, no dinheiro que possuem no bolso (ou em contas bancárias no exterior), no nome, na profissão, no idioma, na religião. Coisas assim, frívolas.

Nos julgamos, na maior parte do tempo, detentores de todo o conhecimento, senhores das coisas da natureza e das ciências, poderosos em nossas poltronas e cadeiras de couro acomodadas sobre o carpete dos escritórios e gabinetes. Nos sentimos invencíveis e intocáveis. E fazemos tudo o que for preciso para manter essa vaidade do "ser melhor que alguém".

Como nunca percebemos que ser "melhor" só deveria possuir o sentido de ser uma pessoa essencialmente melhor? Ser melhor que alguém deveria significar ser mais caridoso, mais generoso, mais carinhoso e menos pedante, arrogante, intolerante...

Através desses milhares de anos de história humana conhecemos dois líderes bem distintos. Alcançaram multidões inestimáveis e reproduziram discursos que até hoje ecoam. A diferença entre eles era o fundamento de suas doutrinas: um pregava o amor ao próximo; o outro, pregava o ódio.

Para um, o amor era o cerne de toda a fé e de toda a salvação. Para outro, o amor era só essa palavra subversiva e boba repetida em dicionários judeus.

Por certo você, que está lendo isso, deve pensar que não existe comparação entre esses dois líderes e se questiona o porquê de ser apresentada uma balança tão desequilibrada. "Mas é claro que eu seguiria o primeiro", dirá. Então é chegada a hora de se perguntar por que só consegue reproduzir o segundo discurso, agindo conforme a falta de amor.

Não é necessário que você tenha religião, sequer que você acredite em Deus. Só é preciso que acredite no ser humano e não entenda essa "normalidade" das misérias cotidianas. Nos emocionamos tanto com filmes e documentários, sobretudo quando há crianças, e andamos pela rua ignorando esses olhinhos solitários que reclamam alimento. Somos incapazes, por vezes, de sorrir de volta, de ajudar quem precisa, de ser um pouco mais solidário do que somos conosco mesmos, com essa nossa imagem narcísica e suicida. E vamos morrendo sem amor, aos poucos. Às vezes aos montes, como no Oriente Médio.

Talvez por isso Cristo algum dia tenha dito que devemos amar o próximo como a nós mesmos. Nós nos perdoamos todos os dias, não importa quão ruins tenhamos sido. Nós cuidamos de nós mesmos. Expomos nossos sentimentos para nos sentirmos melhor. Temos calma com as besteiras que nós mesmos dizemos e pensamos. Nós jamais teríamos coragem de nos machucar ou nos fazer mal. E se alguma vez alguém já tentou não existir mais, não foi por falta de amor, mas foi por se amar demais a ponto de viver em estado de tamanho sofrimento.

Como é difícil tratar o próximo como tratamos a nós próprios. Mesmo as pessoas que mais amamos, ficam aquém de nossa malfadada soberba diária. Deus, como é difícil olhar para a rua e ver pessoas, quando estamos acostumados a olhar a rua e ver prazos, contas, números, deveres, vitrines, dinheiro, caixa eletrônico, carros, semáforos!

Talvez se amássemos mesmo desse jeito que alguém tentou ensinar, o mundo não seria assim e não estaria caminhando para pior. Parece uma conclusão óbvia, mas até tomar consciência dela dói um pouco enxergar. É como a pessoa que faz uma cirurgia no olho e tem de usar um tampão: a luz queima no início, até que as trevas se dissipem de todo.

Eu disse lá em cima que apenas duas coisas são vivas demais para conseguirem morrer: o amor e o sonho. Pois bem, eu sonho com o dia em que as pessoas se olhem com tanto amor que sorriam umas para as outras sem motivo algum. E que ao constatarem não ter motivo pra sorrir, que elas riam juntas pensando no quão são bobas se amando. E vão pro trabalho mais leves e definitivamente melhores. Eu sonho com o dia em que começaremos a nos preocupar de verdade com as pessoas que não tem ninguém por elas: as crianças, os idosos, aqueles mais frágeis, mais relegados a um segundo plano distante de nossos castelos de vidro, aqueles que, paradoxalmente, são menos miseráveis porque conseguem amar de verdade alguém. Sonho com o dia em que as diferenças entre homens e mulheres, ricos e pobres, pretos e brancos, patrões e operários sejam apenas as diferenças entre as impressões digitais.

Eu sonho com o dia em que o amor simples de umas pessoas pelas outras deixe de ser sonho.

Quem sabe começando agora já seja possível sentir a leve e perfumada brisa da esperança. Ela também não morre.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Mulher "pra frente".

Se tem uma coisa que eu tô pra escrever tem tempo é sobre a expressão "pra frente", dirigida a mulheres que pensam exatamente da maneira que eu penso.

Confesso que não gostava dessa expressão. Detestava quando alguém me conhecia e de cara fazia a clássica pergunta - não sem um tom de malícia na voz-: "Você é bem pra frente, né?". Na mesma hora eu virava a cara, enquanto pensava na quantidade de imbecis que o mundo ainda pode produzir.

Mas amadureci e comecei a perceber que, em vez de abandonar por completo uma realidade que não gosto, por vezes é mais divertido transformar essa mesma realidade. Por isso hoje ninguém precisa me atribuir essa característica de "pra frente". Eu mesma digo.

E percebi uma coisa ainda mais impressionante: alguns homens desperdiçam o poder da expressão "pra frente" fazendo crer - erroneamente - que pra frente é a mulher que se diverte: bebe, dança, seduz , beija e ama como uma louca. Os homens pensam que a mulher pra frente é aquele tipo de mulher que fala de sexo sem vergonha alguma, que fica com quantos quer ficar, que chama a atenção por falar alto. Alguns considerariam vulgar.


O que muitos não consideram é que há uma sensível diferença entre ser vulgar e ser feliz. Entre ser espontânea e agir especificamente para chamar a atenção de homens cujo cérebro não excede as dimensões de uma noz.

Por isso não sou pra frente apenas por me divertir numa festa e - creiam-me - já ouvi perguntas do tipo "Você tá se divertindo bastante né? Super pra frente você.". Imagina se eu começasse a ir em festas pra não me divertir? Ou se eu me preocupasse mais em manter a maquiagem no rosto do que o ritmo da dança? Coisas que não entram na minha cabeça.

Eu sou pra frente mesmo porque meus passos nunca foram do tamanho das minhas pernas.

Porque entre minhas piadas de duplo sentido e as gargalhadas de amigos queridos estão meus melhores momentos de alegria.

Sou pra frente porque não tenho vergonha das coisas que penso nem das coisas que faço, justamente porque meus desejos apenas se limitam pela minha consciência e não pela dos outros. E se as pessoas em geral não tem vergonha de se tratarem mal, não deviam se envergonhar de nada que as faz humanas.

Minhas vontades, enquanto não prejudicarem ninguém, são apenas minhas. São queridas. São o que fazem de mim uma pessoa verdadeiramente viva nesse mundo.

Talvez eu seja pra frente porque eu viva pra mim mesma.

Ou porque eu amo conversar com gente. Conhecer pessoas. Ouvir e falar muito. Brincar.

Entendo que não é fácil conhecer uma mulher verdadeiramente pra frente (e tenho a sorte de conhecer muitas delas, todas irresistíveis), por isso muita gente confunde as coisas. Algumas continuam vivendo dois mundos: um, lindo e colorido, cheio de possibilidades e coisas que gostaria de fazer; outro preto e branco e sem graça, no qual admite sobreviver às custas do que os outros acham legal e certo.

Ser pra frente não tem absolutamente nada a ver com ser inconsequente ou irresponsável. É apenas uma questão de se respeitar e de fazer aquilo que te dá mais vida, aquilo que faz o olho brilhar, aquilo que dá a absoluta certeza de que não se vem ao mundo apenas para enfeitar uma vitrine vazia.

Não é nada parecido com beijar mais de um cara numa festa nem fazer sexo na primeira noite - e é uma vergonha que ainda continuamos discutindo coisas assim em relação às mulheres, em pleno ano de 2014.

A mulher pra frente é aquela que faz sua própria vontade, ainda que isso custe um péssimo corte de cabelo ou um coração tão quebradiço quanto unhas grandes.

Mulher pra frente não tem tempo de se mostrar mais ou menos "adequada" - essa palavra me dá gastura - simplesmente porque está ocupada demais distribuindo simpatia sem medo de parecer oferecida ou amando corajosamente alguém. Inclusive, por fazerem apenas o que tem vontade, essas mulheres amam mais do que quaisquer outras que eventualmente apenas se preocupam com fotos bonitinhas no Instagram.


Sei que a companhia de uma mulher pra frente deve encher os homens de receios e inseguranças bobas. Mas pra quem gosta de alegria e verdade é fácil encontrar uma:

Lá na frente mesmo - ali onde as nuvens e a luz do sol criam arco-íris - lá é que estará a mulher pra frente correndo atrás de seus sonhos e te deixando pra trás. Aliás, se eu puder dar um conselho a meia dúzia de homens mais ou menos esclarecidos eu diria que jamais exija que uma mulher pra frente regrida até você. Seja um homem suficientemente pra frente para acompanhá-la.

Admito que no início fiquei até preocupada com o fato de parecer que estou "justificando" alguma coisa com esse texto. Depois eu vi que apenas queria escrevê-lo e, mulher pra frente que sou, não posso perder a oportunidade de fazer aquilo que me dá vontade.

Assim, antes de chamarem alguém de "pra frente", rapazes, certifiquem-se de que não estão desperdiçando  um elogio. Poucas mulheres, nesse mundo ridiculamente machista, conseguem ser espontaneamente irresistíveis. Valorizem. Ou prefiram as adequadas.

P.S. Outro dia uma colega de escola publicou no facebook "Vulgar sem ser sexy". Muito "pra frente" ela. Ou admirável. Dá no mesmo.