quinta-feira, 5 de junho de 2014

Sobre ser AliMentADO.

Aqueles que me conhecem pelo menos um pouco sabem que tenho especial predileção por comida.

No mundo há pessoas que gostam muito de correr, nadar, ir ao cinema, ler um livro, passear no parque. Pois bem. Eu gosto muito de comer. E sim, lamento que isso não seja um esporte, ao menos não um esporte reconhecido.

Na verdade eu gosto de comer muito e realmente não tenho padrões alimentícios normais para uma singela moça de seus 23 anos. Dizem que mulher não come muito, mas quem diz isso não me conhece.

Eu sou daquele tipo que ouve com frequência as frases "Nossa, você é magra de ruim, hein?", "Mas você ainda aguenta comer mais?", "Desse jeito é mais fácil sustentar jegue a pão de ló..." e - a minha preferida - "Menina, você não tem uma solitária não. Tem é uma família inteira aí nessa barriga.".

Quando eu tinha 16 anos comia a mesma quantidade que o meu primo, o qual tinha 20 anos. De tanto comer assim em casa, certa feita meu tio me deu uma dica valiosa: "Mari, quando você estiver paquerando alguém e for sair pra jantar, coma uma feijãozinho antes em casa pra não assustar o rapaz.".

Pois é.

O que poucos sabem é que essa minha paixão por comida - a ponto de me fazer comer não menos que 400g de almoço por dia - tem um fundamento nobre.

É que o alimento foi a primeira forma de amor que conheci. Quando eu nem sabia de mim, já entendia o que era o amor de minha mãe todas as vezes que ela me amamentava.

Foi na cozinha de casa - e não na sala, no quarto ou no quintal - que eu passei os melhores momentos ao lado dela, que ia me contando todas as histórias de sua vida (e as minhas, de pequena) enquanto eu petiscava um ou outro pedaço de tomate e pimentão que ela havia cortado antes.

Aquele amor chegava até minhas mãos em forma de latas semi-vazias de leite condensado - as quais ela não raspava até o fim justamente para me dar esse tipo de prazer -, tigela com massa de bolo crua, espátulas lambuzadas de merengue e panelas de brigadeiro cujo excesso do doce deveria ser tirado antes de irem à pia. A sopa que eu comia na época do frio não era só uma sopa. Era conforto líquido e carinho embaixo das cobertas quentinhas.

Até hoje nunca consegui reproduzir com exatidão os pratos que minha mãe fazia. Jamais conseguirei.

Depois que mudei de cidade, a saudade de casa era aliviada pelas caixas de comida com coisa do interior que minha avó mandava. Tamarindo, beijú de feira, feijão verde, carne do sol. Cada mordida era um abraço de regresso. O cheiro de cada coisa era teletransporte imediato. E assim o é, até hoje.

Perdoem-me os que se alimentam apenas para satisfazer as necessidades do corpo. Antes eu também achava que sentia tanta fome assim porque tenho um metabolismo rápido e penso muito. Hoje, contudo, estou convencida de que me alimento, por vezes, não por capricho do estômago, mas para delírio do coração.

Por isso mesmo, quem não quiser ser amado por mim que não me alimente. Do contrário, qualquer chocolate será uma prova irrefutável e irretratável de carinho. Um jantar poderá ser lembrado para todo o sempre. Uma sobremesa pode ser a peça que faltava nesse mosaico profuso de sentimento, que é o meu peito.

Buquê de flores? Nada disso... Prefiro que me sirva a melhor porção do prato, aquela que se deixa pro final. Oferecer ao outro aquilo que de melhor você possui: isso é que é prova de afeto!

Advirto, todavia, que minha fome nem sempre aparece da mesma forma.

Um dia ouvi de um sujeito determinado, que provavelmente me lê, a seguinte frustração: "Poxa, você disse que come muito mas veio jantar comigo e não tá comendo quase nada.". Sorri de leve e falei qualquer coisa para disfarçar. Mas a verdade é que também me alimento de olhares e sorrisos, tanto que me esqueço do prato cheio, à minha frente, na mesa.

Penso que deve ser por isso que a gente perde a fome quando se apaixona: vai se alimentando da presença do outro um pouquinho a cada dia e muito de uma vez só. Sobra pouco espaço pro almoço e pra janta, pois se o estômago parece vazio e acostumado a menos alimento, já não se pode falar o mesmo do coração. Este, de tão cheio, numa analogia patética, nos obriga a quase desabotoar um pouco a camisa tal como fazemos com as calças jeans após sairmos de um rodízio.

Para combater a fome, ame. Se for alimentado, comemore. Se não for, nem tente. Quem não alimenta com comida não pode alimentar com carinho. São sinônimos.

P.S. Agora me deu fome. De tudo.