Eu sou uma grande entusiasta da saudade. Acho um sentimento lindo em toda a sua dubiedade, em toda a sua agonia e dor. Quem tem saudade, sente a ausência de alguém querido. Certa vez tive a oportunidade de dizer para um certo rapaz - que talvez hoje não me leia - que a saudade é diferente de apenas sentir falta.
E realmente é: sentimos falta do guarda-chuva esquecido no trabalho ou da escova de dentes que supúnhamos se encontrar na mala de viagem. Mas ninguém tem saudade de um objeto, a não ser que o objeto represente alguém. Saudade só se tem de quem se gosta. Ninguém tem saudade de quem lhe fez mal ou de quem não lhe traz sentimentos e sensações gostosas.
É preciso sentir a presença, coisa com a qual não estamos acostumados. Sobretudo a presença fácil, cotidiana, de todos os dias: como é difícil senti-la em nós mesmos! Como é difícil, tantas vezes, permitir que alguém faça parte de nós mesmos com sua presença constante, firme.
Isso tudo me vem à tona porque acabo de perceber o quanto tenho deixado de sentir as presenças.
Minha mãe passa dias aqui comigo em Salvador - embora ela more em Campo Formoso/BA. Quando ela se vai, sinto uma saudade grande, como se não tivesse tido sua presença por aqui. E a verdade é que tive, mas não senti.
Enquanto ela fazia meu almoço de todos os dias e parávamos para conversar por alguns minutos, eu, muitas vezes, estava alheia a tudo. À noite, quando chegava do trabalho, jantava conversando com ela e logo ia para o quarto (estudar, assistir aula, ler ou realizar qualquer outra atividade). E às vezes, mesmo quando sentada ao lado dela para assistir TV meu celular disputava toda a atenção.
Minha avó tem 78 anos, mas nem parece. Faz de tudo em casa e se vacilar nós é que temos de tomar cuidado para ela não fazer nenhuma estripulia. Graças a Deus tem uma ótima saúde e não precisa de maiores cuidados.
Ela esteve lá em casa esses dias e eu não senti sua presença. Até costurou uma saia minha, conversou bastante, mas voltou para a casa de minha tia e foi como se eu nem a tivesse visto.
A gente, com o tempo, vai ficando com uma insensibilidade para as coisas...
A notícia boa é que sempre há tempo de consertar, aproveitar ao máximo alguém querido. Não significa que o medo da despedida eterna deva nortear todas as ações. Não. O medo da morte só pode servir para melhorar a vida.
Nesse caso, sentir a presença de alguém em todo o seu esplendor é apenas um abrandamento da saudade que virá sem anúncio, sem alarde. Sentir a presença é rechear a ausência de coisas boas a serem lembradas, é poder fechar os olhos e lembrar de cada um desses momentos como se estivessem acontecendo.
Não basta sentir a ausência. É preciso sentir a presença: inebriar-se de outra alma, degustar um toque de carinho que ultrapassa a pele, saber que música bailam as palavras dançantes que saem da boca querida...Depois, só saudade.