sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Um fado para quem nunca viu.

No restaurante cheio de azulejos azuis e brancos, tipicamente portugueses, o cheiro da boa comida eleva os pensamentos ao paraíso. Em cada mesa uma vela, a emitir aquela luz fraca e confortável aos olhos, uma cesta de pães, azeite e uma taça de vinho branco.

Pedidos feitos, o espetáculo começa.

Uma senhora levanta-se da cadeira, junto com três músicos e seus violões. Ostenta um vestido longo e um xale bordado em preto e vermelho. Expressão tranquila no olhar. Ela não anda: parece flutuar sobre o chão. O velho vestido se arrastando nas brumas do ambiente. Lembra uma avó bondosa, que anda devagar e levemente para não acordar os netos que ainda dormem.

Dirige-se a um local situado no mesmo patamar do restaurante, mas que lembra um pequeno palco.

Neste mesmo momento, as luzes do restaurante começam a diminuir sua intensidade. O silêncio toma conta do espaço. Uma a uma as lâmpadas se apagam, até que reste apenas a luz das velas colocadas em cada mesa.

Todos se voltam aos músicas e à senhora, esperando o início do show.

Os violões iniciam os primeiros acordes e ela começa a cantar com seu sotaque português inconfundível. Canta de olhos fechados, mas não é por medo de encarar o público: precisa cantar dessa forma para que consiga reviver perfeitamente os amores, as dores e as felicidades contidas em cada nota.

Nada parece tão terno quanto a idosa que canta de olhos fechados num ambiente à luz de velas. O fado é triste, mas também a vida é triste em muitos momentos e é isso que dá graça à alegria. Permito-me acompanhá-la nessa viagem pelas estradas escuras dos olhos fechados e revivo todos os meus amores de uma só vez, perdoando a mim mesma.

Ela muda de tema e começa a cantar sobre sua mãe. A mesma tristeza da saudade aparece em sua voz. Eu penso na minha mãe e choro, desejando que ela estivesse vendo aquele espetáculo ao meu lado, vencendo magicamente os quilômetros que nos separavam naquele momento. Uma lágrima sorrateira ousa romper a  barreira da pálpebra. Volto a fechar os olhos.

O final das cantigas marca o retorno das luzes artificiais e das conversas nas mesas. Depois de alguns minutos mais uma rodada de música e rendição, pela qual espero sempre, ansiosa por me entregar.