Minha mãe guarda até hoje o vestido que usei no meu batizado, quando tinha apenas alguns meses de idade. Na minha última visita à cidade natal, lá estava ele no armário: alvo e delicado, como eu imagino que sejam as roupas dos pequenos anjos. Ele sempre esteve lá, desde meu batizado até agora. Mudaram-se os armários, as gavetas e até o alvejante, mas o vestidinho continua pendurado no cabide.
É difícil imaginar que em algum momento eu coube dentro daquele pequeno pedaço de tecido branco. Contudo, o fato de estar guardado até hoje me faz concluir pelo seu duplo significado: para minha mãe, o vestido sou eu, que resolvi sair de um passado querido para lhe fazer uma visita e lembrá-la de quanto amor e cuidado nos cercam; para mim, é a representação de toda a minha infância, a época em que eu cabia não apenas no vestido, mas na vida que se apresentava a meus olhos.
Realmente, até os 15 anos, a minha vida no interior se assemelhava a uma roupa feita sob encomenda, vez que devidamente ajustada a mim e, por isso mesmo, perfeita. Era ali, dentro daquela vida e da casinha onde cresci, apesar de qualquer dificuldade, que eu me sentia mais amada, mais protegida e mais importante do que em qualquer outro lugar do mundo.
Depois, eu começo a perceber que a vida ali já não parece tão perfeita, tão ajustada e que nem o menor dos meus sonhos e esperanças para o futuro poderia caber dentro daquela roupinha pendurada no cabide. É a hora de partir.
Assim como acontece com as roupas, nossa relação com a vida pode se mostrar cheia de percalços. Por vezes, estamos magros de vontade e a vida fica folgada: nos falta entusiasmo, coragem, disposição e até alegria para preencher os espaços vazios que impedem o ajuste perfeito. Em outras situações acontece exatamente o contrário: queremos mais do que a vida pode nos oferecer no momento e tentamos de tudo para caber na vida, desde prender a respiração até forçar o tecido a ponto de quase romper sua estrutura.
Difícil conseguir a tão sonhada medida certa.
O que penso é que talvez jamais consigamos a vida milimetricamente ajustada. Com a idade adulta vem os sonhos, mas também suas ilusões; vem as expectativas e também as frustrações e vem e vão tantas coisas, nunca na mesma proporção. O desequilíbrio passa a ser a essência da vida que levamos.
Isso nos obriga a fazer pequenos reparos, um aqui, outro ali, uma bainha, um corte de retalhos desnecessários, uma pinça no cós das ideias, outras vezes promover uma certa folga nas linhas que insistem em apertar o peito. E assim por diante. O resultado de uma vida apertada é o mesmo das roupas compradas sob efeito da vaidade: marcas. O resultado de uma vida muito folgada: ela nos escapole, como a calça de um tio que sempre esquece de usar cinto.
Ficamos assim, nesse eterno "efeito sanfona", pesadelo das pessoas que tentam emagrecer e depois acabam se descuidando.
Só que sem esse efeito, a sanfona jamais produziria música. Assim também a vida, sem esses ajustes, sem esses momentos de desproporção, jamais seria arte. É verdade que o equilíbrio pode conduzir à perfeição, mas quem disse que não podemos esticar um pouco mais aqui e ali ou deixar uma pequena folguinha nas obrigações para depois?
Não caber mais em determinadas situações nem sempre traz tristeza. No meu caso, sei que jamais voltarei a caber naquele vestido que minha mãe vai guardar para sempre, e provavelmente jamais caberei na mesma vida que tive antes, mas a felicidade reside justamente em saber que já coube e que de lá para cá tudo tem sido perfeito mesmo nos desequilíbrios, mesmo perdendo-se um botão ou remendando-se um pedaço da vida.
Quando alguém está muito contente, falamos que "Não cabe em si de tanta alegria". Pode ser que a felicidade seja isso mesmo. Não caber.