sábado, 28 de abril de 2012

Um dia.

Ultrapassou o sinal vermelho sem querer. Não viu que o sinal havia fechado e só percebeu quando quase atropelou uma mulher que atravessava a rua.

-Droga. Um dia ainda mato um - dizia pra si mesmo enquanto observava, pelo retrovisor, a vítima esbravejando lá atrás.

Estava atrasado. Audiência às 09:00h de uma sexta-feira. Que juiz marca audiência sexta-feira e ainda mais 09:00h? Devia ser um juiz novo. Menos mal. Antes fosse. A nova safra de juízes ainda não estaria ambientada com os processos e não saberia muito o que fazer. Ainda hesitantes. Ainda mortais.

Deu uma risada de deboche. Lembrou da Faculdade, quando ouvia os professores afirmarem que os promotores acham que são deuses e os juízes tem certeza. Piada clichê. Tão clichê quanto o curso de Direito, que escolhera fazer nem imaginava o motivo. Lembrou de alguns professores. Das festas. Ah, as festas. Sempre cheias ("quórum máximo", como costumavam dizer). Estudante gosta de falar em "jurisdiquês" perto dos outros. Gosta de internalizar as frases em latim que veem nos livros de autores consagrados e caretas.

Olhou o relógio, tentando fazer a conta de quantos minutos ainda faltavam para a audiência. Depois do Direito nunca mais conseguira fazer contas com a mesma habilidade de outrora. Demorou um tempo. Deu risada de si. Absurdo! Fez a conta. 15 minutos. Daria tempo. Torceu pra dar tempo mesmo. O celular tocou. Era o cliente.

-Já estou aqui no estacionamento do Fórum. Pode ficar tranquilo.

Mania que advogado tem de mentir. Aliás, não sabia se isso era da práxis advocatícia ou de suas raízes baianas. Na Bahia todo mundo faz isso. Quando ainda vai sair de casa e diz que já está chegando ao local. Engraçado isso.
Mais um sinal vermelho. Xingou. Talvez não dê tempo. E o cliente já tinha ligado enchendo a paciência. Um menino veio em sua direção, pedindo dinheiro. Aparentava ter uns 6 anos. Olhou para dentro do carro. Não tinha nenhuma moeda. Disse que não tinha. Ficou aguardando ansiosamente pela liberação do semáforo.
-Até que enfim verde!

Acelerou o carro passando de todos os demais que estavam nas faixas do lado. Começou a lembrar do menino. Lembrou do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Princípio da proteção integral, ato infracional e assim foi lembrando de alguns conceitos, institutos. Há muito tempo havia estudado isso. Abandonou tais estudos quando começou a se dedicar ao Direito Tributário. Odiava. Não aprendera na Faculdade, mas na vida. E detestava. Mas trabalhava num escritório onde o carro-chefe era Tributário e não podia se dar ao luxo de escolher outra coisa, mais legal de se trabalhar. Quando entrou na Faculdade, animado pelos filmes americanos de tribunais, sonhava em fazer justiça, em ser reconhecido pelo seu conhecimento e pela sua força argumentativa a serviço da sociedade. Seria juiz. Ou promotor.

Agora se via atrasado pra uma audiência. O cliente chato. O chefe chato. O Fórum intragável. Aquele cheiro de morosidade. Sabe como é? Cheiro de costume, de acomodação. De coisa velha que fica ali um tempão. Repensou a profissão. Lembrou que através dela conseguia pagar as contas. Lamentou-se. Procurando uma vaga no estacionamento lançou seu último murmúrio:

-Um dia ainda ganho na mega-sena.

E saiu do carro, torcendo para que a audiência não tivesse começado e para que o juiz fosse novato.




quarta-feira, 11 de abril de 2012

Fica a dica de saudade....

Hoje me bateu uma saudade dos meus tempos de criança!

Aqueles tempos em que eu dormia preocupada e acordava ansiosa pra não perder o desenho animado da televisão.
Saudade do tempo em que eu saía de casa com minha lancheira cor-de-rosa da Tupperware, onde minha mãe havia colocado cuidadosamente meu lanche (um salgado gostoso dentro da vasilha e suco - sempre de maracujá- dentro da garrafinha cuja tampa virava o próprio copo).
Saudade do cheiro de giz-de-cera e de praticar bullying com os coleguinhas que ultrapassavam o limite do desenho na hora de pintar.
Do tempo em que eu jogava gude, pulava amarelinha e brincava do clássico jogo "Polícia e Ladrão" (e não tinha que me preocupar com o contraditório e ampla defesa do ladrão, muito menos com garantias processuais).
Queria de novo aquele cheiro de livro novo e o prazer de descolar suas páginas um pouco grudadas. Saudade das musiquinhas que aprendi na escola, de apostar tazo, de decorar tabuada e acertar, me achando, quanto era 9x7.
Saudade da época em que eu fazia catecismo e só ia lá pra roubar goiaba de uma goiabeira que tinha perto da igreja.
Saudade de voltar da escola pra casa correndo, como se tivesse apostando corrida com o vento e quando chegava no portão já sentia aquele cheiro bom de comida da mãe da gente.
Dos tempos em que eu conseguia fazer todos os deveres de casa em 30 minutos e estava com o restante do dia livre pra brincar.
De quando eu jantava e afastava todas as verduras e temperos no prato porque não gostava e de como minha mãe reclamava com isso.
Saudade das noites em que meus pais assistiam ao Jornal Nacional e eu ficava atenta ouvindo as notícias sobre FMI, Bovespa, corrupção, Brasília, ACM, Governo Federal.
E no meio de tanta notícia, a única preocupação que povoava minha mente era: "Em que lugar eu vou me esconder hoje quanto tiver brincando de esconde-esconde?"

Parece irônico como a gente quer tanto crescer e nem percebe que tá crescendo. Quando vê, as responsabilidades batem à porta, as preocupações são outras e a gente deixa passar os cheiros, as visões, as formas das coisas que nos fizeram tão felizes.

Hoje, olhando a pilha de coisas a fazer, o que eu mais desejava era poder voltar a ser criança só por um dia e fazer tudo igual ao que era antes...ou melhor, aproveitando mais, e deixando lembranças bem mais vívidas que estas.