sábado, 26 de maio de 2012

Saudade do sertão.

Na caatinga avermelhada os juazeiros alargam manchas verdes. E eu alargo minha saudade desse sertão!
Conheci pouco, é verdade, mas sei o que é pisar no chão de cascalho e no barro vermelho que deixa o pé da gente cor de ferrugem.

Sei o que é acordar com o galo cantando e tomar um café feito no fogão de lenha acompanhado de leite de cabra, cuscuz, carne seca, queijo e tripa frita.
Sei o que é ir até o curral, tanger galinha, andar à cavalo, abrir porteira e chupar umbú direto do pé.
Já vi vaca parindo, passarada voando, siriema correndo.
Já tomei água de cacimba, que o povo bota naquelas moringas e sai sempre geladinha e com um cheiro bom que eu apelidei de "cheiro de água".

Já tive a oportunidade de ver o pôr-do-sol numa caatinga com o céu mais limpo do mundo, delineando aquelas árvores secas, enquanto no céu apenas uma estrela piscava.

Já andei na roça em noite de lua cheia, quando não tinha nem energia elétrica por lá e creiam, a luz artificial não fazia falta. Andei de bicicleta, comprei "coisa" na venda da esquina e fui pra missa numa igrejinha beeeeeeem pequenininha cujo padroeiro é Santo Antônio.
Frequentei a feira, com o povo vendendo fumo de rolo e bolo de carimã. Ferradura, sela, espora, chicote, corda. Vi barraca de tempero e de raízes que prometem a cura de todos os males. Vassoura de palha, ratoeira, pião, pólvora, pente, feijão de corda, farinha e tapioca.  

Lembro-me do povo simples e rico, cheio de uma sabedoria que não se encontra na escola e nem na capital. Respeito pelo outro, pelos mais velhos, e a solidariedade com o vizinho que teve pior sorte na colheira.
As histórias de terror em noite de lua cheia, as piadas que só sertanejo entende, o contar dos fatos ocorridos no dia. 
E as festas, forrós no pé de serra de verdade e a certeza de que por onde eu passar basta ouvir uma música de seu Luiz ou Adelmario ou Dominguinhos e lembrarei com detalhes do meu sertão. Reisado, corrida de argolinha, procissão e esses eventos onde nunca falta uma galinha caipira cozida ou um bode assado.

Vou lembrar da família pobre de um vaqueiro que deu meu nome pra sua neta e das mãos calejadas dele e da mulher, sofridas e rachadas. Mas na mão dela um esmalte descascado denuncia a vaidade.
Um povo que é tido por alienado, esquecido e até burro, mas que sabe exatamente o que acontece. Só prefere não se importar, não ficar com raiva à toa. Um povo, sobretudo, que tem fé. Que acredita em Deus, nos santos, no mundo, no universo. Que acredita em si e no trabalho.

É a este lugar que eu pertenço: ao interior, ao meu pé de serra, àquela caatinga avermelhada onde nunca mais pude ir, mas que continua linda, bela,apesar da seca, da política e da desonestidade dos homens tidos por cultos, inteligentes, admiráveis.

Eu admiro é minha terra, seu povo, a feira, as tradições, a fé e o barulho da bota na estrada cheia de pequenas pedras. Eu admiro é o cheiro de chuva no sertão e a bênção da água que cai do céu quando a gente precisa. Eu admiro o céu limpo e a terra nua. Admiro os juazeiros, as manchas verdes, Luiz Gonzaga e as músicas e histórias de um lugar que faz parte da minha vida. Viva ao sertão!!







sexta-feira, 18 de maio de 2012

Sobre pizzas.


É que esses dias eu estava aqui pensando sobre uma associação que as pessoas costumam fazer entre a pizza e um certo tipo de envolvimento físico humano e resolvi falar sobre isso. A pizza.


A pizza é um objeto peculiar. Quem nunca desejou uma pizza? Quem nunca pôs os olhos naquela pizzaria e desejou profundamente degustar uma pizza? Quem nunca ficou com abstinência por nunca mais ter comigo uma boa pizza, ou mesmo uma pizza "meeira"?

No entanto sabemos que a pizza não é um artefato bom sempre. Às vezes nos deparamos com pizzas de péssima qualidade e, desde que o mercado da pizza se alargou, fica cada vez mais difícil confiar na propaganda ou na rapidez do serviço de delivery.

Muita gente vendendo pizza e a pizza mais fácil de se obter gera a consequência de que ninguém mais presta atenção naquela pizza artesanal que tá ali na garagem italiana de um sobrado alternativo. Tudo agora é pré-fabricado: mesmo as pizzas mais elaboradas seguem um modus operandi que se assemelha à rotina enfadonha de uma fábrica de produção em série, ou de uma peça teatral cujo roteiro já se ensaiou mil vezes.

Mas inovação no mundo da pizza existe e muito! Chega a parecer que ninguém consegue inventar mais nada. Todos os tipos, tamanhos, espessuras, temperaturas e combinações que me lembram aulas de matemática ("Uma pizzaria oferece a possibilidade de 3 sabores em cada pizza: há 24 sabores no cardápio. Quantas combinações podem ser feitas?"). Para todos os gostos e disponibilidades.

E na hora de comer a pizza são tantas as opções: temos pizza pra comer de mão, com garfo e faca, enrolada em cone, transformada em kalzone. E definitivamente não é a mesma coisa nem a mesma pizza. Isto porque modos diferentes de comer a pizza traduzem meios diferentes de se obter o mesmo grau de felicidade e contentamento, ainda que no começo tenhamos de nos acostumar com um novo padrão de proceder.

A respeito da qualidade da pizza tenho a dizer que nem sempre a pizza mais cara é a melhor. Às vezes confiamos no preço e na boa propaganda e nos lançamos volúveis ao sonho da pizza perfeita. Mas o caro sai barato às papilas gustativas e a tão desejada pizza de primeira transforma-se de repente na pizza que pode ser feita, digamos, num restaurante árabe.

E aquela pizza fácil e barata do sobrado alternativo, que você se propõe a experimentar num dia de fome e estado de necessidade, pode se revelar a experiência mais saborosa que um dia se teve. E você nem colocava expectativa. Sequer se permitia olhar com atenção para o sobrado. Pizzas não admitem esse tipo de discriminação. Experimente desprezar uma pizza e vê-la se escondendo de você quando mais necessita.

Mas pizza é bom.

E não sei por que tem gente que não come pizza se não for domingo. "Se for outro dia perde a graça". "Se for todo dia, enjoa". Mas partindo do pressuposto de que nem sempre a pizza é a mesma pizza e que de repente pode ser tanto mais elaborada, quanto de muçarela (simples e sem muita frescura), pode haver pizza todo dia. Depende do quanto se gosta da iguaria!

E que negócio bom é pizza!

Dizem que não há nada que supra uma dor de amor e um filme romântico tão bem como uma bela pizza assistindo a uma série cômica. E se tudo pode terminar em pizza, quem disse que não pode começar também? Amores começam com uma pizza despretenciosa. E ainda que não comece, uma boa companhia e uma pizza podem significar mais que uma companhia cansada que já não aguenta mais o dia de domingo. E aí parte-se para o pior tipo de pizza: a pizza por obrigação, pela companhia, pelo dever moral. Perde-se o gosto pela pizza em si, perde-se o desejo de pizza pelo desejo de começar a segunda-feira, decerto menos sem graça e triste que a pizza pré-fabricada.

Diante disso, deixo alguns conselhos aos que gostam desse alimento:

Não subvalorizem a pizza, tampouco deixem de comê-la por não ser domingo. Desafiem as combinações e o gosto em si. Inventem. Não deixem a pizza de muçarela tomar sua semana toda. Não invente desculpas pra não comer pizza quanto tiver vontade (mulheres, sempre as mulheres), mas também não coma uma pizza por obrigação. Ela não merece. Não faça pouco caso das pizzas baratas no preço - podem ser caras no paladar. Não deixem a pizza esfriar na mesa: você pode comê-la de um só ato ou até deixá-la na geladeira, reservando para o dia posterior a surpresa de uma pizza escondida atrás do prato de brigadeiro. Não sejam egoístas com a pizza, degustá-la junto a uma boa companhia é melhor do que comê-la sozinho em frente ao computador ou televisão.

Pizzas boas de verdade não se afinam com não-me-toques, frescuras e aprofundado exame de admissibilidade. Boas pizzas são inusitadas e surpreendentes, ainda que simples. São aquelas que nos transportam no fechar dos olhos e nos inebriam como se conseguissem chegar ao âmago de nossas almas. Boas pizzas são um convite ao paraíso. Más pizzas são um convite à perseverança.

Aproveitem a pizza. Qualquer pizza.

É bom até quando é ruim.



sábado, 12 de maio de 2012

Fica a dica de amor.

Mãe,

Hoje eu quero te agradecer de uma forma que não tenho feito com a frequência que deveria.

Agradecer por ter me esperado pacientemente e com todo o cuidado nos meus primeiros nove meses de vida. Ao mesmo tempo peço desculpa por não ter a mesma paciência com você e por diversas vezes me irritar por ter de esperá-la em algum local por cinco minutos.

Agradeço também por ter me ensinado tudo. Por ter me alimentado, por ter tido cuidado comigo. Agradeço por ter me mostrado o mundo. Pelas noites em que você velava meu sono enquanto eu no berço dormia tranquila. Obrigada por ter ido ver se tava tudo bem ao menor ruído de desconforto que eu fazia. Obrigada pela dedicação e pela atenção.

Agradeço por não ter se importado com a sujeira que eu fazia com a comida. Devo agradecer por ter tentado entender as palavras estranhas que eu estava aprendendo a pronunciar, por ter me ajudado a ficar de pé pela primeira vez. Desculpe-me por ter mantido segredo quanto ao fato de já saber andar (que você só veio a descobrir depois que eu já tinha aprendido) e por ter ido pro meio do asfalto aquele dia quando eu tinha apenas 1 ano. Não foi minha intenção te assustar.

Mãe, obrigada por ter me ensinado que o fogo queima, que cachorros mordem, que a piscina funda não é lugar de brincar, que eu não devia sair de casa sozinha, que não devia aceitar presentes de estranhos. Obrigada por ter me levado à escola e por ter me ajudado nas tarefas que eu não conseguia fazer sozinha. De fato, pintar e colar demandavam bastante coordenação motora. Obrigada também por ter aprontado minha lancheira com aquele suco de maracujá, frutas e coisas saudáveis. Hoje eu sinto falta disso.

Obrigada por ter me ensinado muito mais. Por ter estado ao meu lado na cama cada vez que eu adoecia. Por ter feito aqueles biscoitinhos de nata e suspiro e por ter me deixado brincar e correr à vontade. Obrigada por ter ido todas as vezes na escola no dia das mães e por ter me ensinado o valor de estudar. Agradeço muito por todos os "nãos" que eu já ouvi de você. Só depois que crescemos é que percebemos a importância deles. Desculpe por já ter dito que você não era uma boa mãe por não me deixar brincar lá fora algumas vezes. Aliás, obrigada por já ter me deixado tomar banho de chuva, foi muito bom. Desculpe por ficar emburrada e por não deixar você arrancar meu dentes de leite com tanta facilidade. Obrigada pela sua persistência.

Agradeço, Mãe, por ter me dado tanta força quando fui embora. Obrigada pela paciência em cada telefonema, quando eu dizia que queria voltar ou que já não aguentava mais. Aguentei por você. Obrigada pelo esforço, sobretudo financeiro, pra me proporcionar tudo o que eu necessitava e muita mais. Desculpe por te cobrar tanta coisa, por exigir tanto de você. Hoje tudo que eu mais desejo, antes de qualquer coisa pra mim, é retribuir. Sei que é uma tarefa árdua, mas vou tentar. Obrigada por me tranquilizar, por dizer que eu vou me dar bem na prova mesmo sem ter estudado (e isso de fato acontecer só por sua causa). Por me dar forças quando eu fraquejo ou quando não consigo algo que queria. Agradeço pela firmeza e certeza que você me passa de que vai ficar tudo bem. Por rezar por mim e ter tanta fé a ponto de conseguir qualquer coisa.

Obrigada por ter me feito uma pessoa íntegra, honesta, feliz, autoconfiante. Desculpe por não ter aprendido tudo o que você algum dia quis me ensinar, mas acredite: a falha não foi sua. Perdoe-me por ser "cabeça dura" e pessimista algumas vezes. Agradeço por ter me ensinado a ser uma boa pessoa, a ajudar quem precisa, a perdoar quem me faz mal. Não sei se aprendi tanto assim, mas juro que tento. Obrigada por estar sempre ao meu lado e por me mostrar meus erros. 

Agradeço por ter me dado um pouco de sua força e firmeza em cada momento que precisei e por ter me emprestado sua mão pra que eu apertasse quando sentisse medo. Ainda precisarei dela por muito, muito, muito tempo. Obrigada por aquele abraço especial e por tantas vezes ter me emprestado o colo pra que eu chorasse e, mesmo sem falar nada, me passar uma sensação indescritível de conforto. Obrigada por ser tão compreensiva com meus problemas, que nem se comparam aos seus - em tamanho e importância. Desculpe não seguir seus conselhos como deveria e muitas vezes ter que aprender na marra. Não que eu não confiasse neles, mas de repente eu precisava passar por isso.

Agradeço pelo seu amor. Puro. Simples. Forte. Inabalável. Amor que é meu também e você sabe. Obrigada por ter consciência de que "os filhos são do mundo" e de que embora eles não fiquem para sempre sob suas asas, jamais serão independentes por completo desse anjo de luz que você é.

Por último, quando eu digo que "Não pedi pra nascer", após você brincar e me "cobrar" por todo o trabalho que dei, eu estou só brincando também. Eu devo ter pedido muito pra ser sua filha e só assim Deus me concedeu tamanha sorte.

Um beijo.
Amo você.

Feliz Dia das Mães!