Na caatinga avermelhada os juazeiros alargam manchas verdes. E eu alargo minha saudade desse sertão!
Conheci pouco, é verdade, mas sei o que é pisar no chão de cascalho e no barro vermelho que deixa o pé da gente cor de ferrugem.
Sei o que é acordar com o galo cantando e tomar um café feito no fogão de lenha acompanhado de leite de cabra, cuscuz, carne seca, queijo e tripa frita.
Sei o que é ir até o curral, tanger galinha, andar à cavalo, abrir porteira e chupar umbú direto do pé.
Já vi vaca parindo, passarada voando, siriema correndo.
Já tomei água de cacimba, que o povo bota naquelas moringas e sai sempre geladinha e com um cheiro bom que eu apelidei de "cheiro de água".
Já tive a oportunidade de ver o pôr-do-sol numa caatinga com o céu mais limpo do mundo, delineando aquelas árvores secas, enquanto no céu apenas uma estrela piscava.
Já andei na roça em noite de lua cheia, quando não tinha nem energia elétrica por lá e creiam, a luz artificial não fazia falta. Andei de bicicleta, comprei "coisa" na venda da esquina e fui pra missa numa igrejinha beeeeeeem pequenininha cujo padroeiro é Santo Antônio.
Frequentei a feira, com o povo vendendo fumo de rolo e bolo de carimã. Ferradura, sela, espora, chicote, corda. Vi barraca de tempero e de raízes que prometem a cura de todos os males. Vassoura de palha, ratoeira, pião, pólvora, pente, feijão de corda, farinha e tapioca.
Lembro-me do povo simples e rico, cheio de uma sabedoria que não se encontra na escola e nem na capital. Respeito pelo outro, pelos mais velhos, e a solidariedade com o vizinho que teve pior sorte na colheira.
As histórias de terror em noite de lua cheia, as piadas que só sertanejo entende, o contar dos fatos ocorridos no dia.
E as festas, forrós no pé de serra de verdade e a certeza de que por onde eu passar basta ouvir uma música de seu Luiz ou Adelmario ou Dominguinhos e lembrarei com detalhes do meu sertão. Reisado, corrida de argolinha, procissão e esses eventos onde nunca falta uma galinha caipira cozida ou um bode assado.
Vou lembrar da família pobre de um vaqueiro que deu meu nome pra sua neta e das mãos calejadas dele e da mulher, sofridas e rachadas. Mas na mão dela um esmalte descascado denuncia a vaidade.
Um povo que é tido por alienado, esquecido e até burro, mas que sabe exatamente o que acontece. Só prefere não se importar, não ficar com raiva à toa. Um povo, sobretudo, que tem fé. Que acredita em Deus, nos santos, no mundo, no universo. Que acredita em si e no trabalho.
É a este lugar que eu pertenço: ao interior, ao meu pé de serra, àquela caatinga avermelhada onde nunca mais pude ir, mas que continua linda, bela,apesar da seca, da política e da desonestidade dos homens tidos por cultos, inteligentes, admiráveis.
Eu admiro é minha terra, seu povo, a feira, as tradições, a fé e o barulho da bota na estrada cheia de pequenas pedras. Eu admiro é o cheiro de chuva no sertão e a bênção da água que cai do céu quando a gente precisa. Eu admiro o céu limpo e a terra nua. Admiro os juazeiros, as manchas verdes, Luiz Gonzaga e as músicas e histórias de um lugar que faz parte da minha vida. Viva ao sertão!!