quinta-feira, 15 de maio de 2014

Ser tão.

Sou o próprio Nordeste
No sangue e na pele
No brilho do olhar

Fui feita pra dança
E minha Asa Branca
Me leva a voar.

Sou água de chuva
Que a vida saúda
No solo rachado.

Mulato aguerrido
Que manda os bramidos
Pra tanger o gado

Sou neta de vaqueiro
Sombra de juazeiro
Sou o cheiro da arruda

Eu sou benzedeira
Mas já fui parteira
Na hora da ajuda

Sou sol escaldante
Sou seu comandante
Lampião do cangaço

Sou fraco e franzino
Mas o meu destino
Eu mesmo é que traço

Sou toda lua cheia
Que o Sertão encandeia
Que ilumina a estrada

Sou seu candeeiro
Forró no terreiro
Sou Luiz Gonzaga.

E se um dia disserem
Que ser do Nordeste
É má condição

Respondo sem risco:
Só é tudo isso
Quem sabe ser tão.




quinta-feira, 8 de maio de 2014

Para aprender a ser filho.

A tarefa de escrever para as mães¹, no Dia das Mães, é das mais difíceis. Como diria o clichê musical desse dia, nós temos muito para lhes falar, mas com palavras não sabemos dizer! Mesmo a palavra "amor", a mais grandiosa de todo o dicionário, parece pequenininha perto do abraço da mãe da gente, né? E como colocar junto a esse abraço toda a gratidão e a admiração que sentimos? E como expressar, em Newtons (unidade de medida que lembro do Ensino Médio), a força que se transmite das mãos delas para as nossas nos momentos de desespero na cadeira do dentista? Ou depois de um pesadelo? Impossível.

Por isso acreditei que dessa vez era melhor escrever para os filhos. Sim, me refiro a vocês, que em algum momento da infância já quiseram fugir de casa. Que já xingaram suas mães, mas ao mesmo tempo desemborcaram a sandália para ela não morrer (adoro superstição). Vocês, que já desejaram, ainda que por 30 segundos, não ter mãe (quando ter uma mãe significava ter regras a cumprir). Alguns, em sua vileza, já quiseram a morte dos pais - incluída aqui a mãe. Vocês, filhos, que desenharam coisas em franca assunção do estilo cubista surrealista dadaísta moderno e foram elogiados como verdadeiros artistas. Vocês, que tantas vezes deixaram, contrariados, as melhores brincadeiras por causa do sereno.

A vocês, filhos, vou contar apenas duas histórias que, gostaria muito, fossem lidas com atenção.

A primeira história tem relação com um dom que somente as mães possuem: o dom de renunciarem. Já pararam para perceber que desde a concepção de um bebê até o último dia de suas vidas as mães abandonam o que querem em prol dos filhos? Começa com a gestação: não pode beber, não pode fumar, não pode comer isso e aquilo, em alguns casos não podem se esforçar em determinadas atividades físicas, e por aí vai.

Depois que o bebê nasce aí é que vem privações de todo o gênero: primeiro, as de ordem financeira, que apesar de serem menos piores não deixam de ser sentidas (Ir ao salão ou comprar fralda? Trocar o carro ou equipar o quarto do bebê?); depois, as relacionadas à liberdade e à desoladora certeza de que não se pode sair por um minuto, viajar, passar um fim de semana em um lugar legal, ir ao shopping sem hora pra voltar...

Se fosse só isso tudo bem! Mas quando crescemos são outras renúncias: as mães abdicam do sono, das noites de amor eventualmente atrapalhadas por um pesadelo, e da própria paz.

Depois, se você um dia conseguir perceber, chega uma hora em que as mães renunciam até de si mesmas.

Explico. E aqui começo a primeira história.

Conheci uma mulher que possui duas filhas. Meninas bonitas e inteligentes. Acredito que a mais velha deve contar com 8 anos agora, e a mais nova com 5. Mas isso não vem ao caso. O fato é que a mãe descobriu um câncer no seio.

Depois de muito susto e correria, enfim agendou-se uma cirurgia para retirada do tumor.Durante dias, a mãe permaneceu, perante as filhas, do mesmo modo como sempre se comportou: ria, brincava, tinha seus momentos de conversa com as meninas, fazia almoço. Tudo igual.

As meninas, até então, não sabiam de nada.

Um dia vi as filhas brincando na varanda de casa com vários lápis de todas as cores. Era um festival de alegria! Desenhos e papeis esvoaçavam naquela cena, linda de se retratar.
Mas ao lado das meninas, uma mãe possuía olhos cor de cinza e um sorriso amarelo. Eu sabia o porquê: a certeza de se amputar não um seio, mas a sua própria feminilidade, o seu próprio eu.

O contraste existente naquele momento era belo e aterrador.

Mas uma mãe de verdade renuncia ao direito de sentir dor na frente das filhas. A mãe renuncia ao direito  mais íntimo que possui, que é o direito de sentir tristeza. As mães, por incrível que pareça, também não possuem o direito de morrer. Morrem a contragosto e se afligem mais por deixar os filhos do que por deixar o mundo.

Isso se vê também na segunda historinha.

A mãe da minha melhor amiga², certa feita, foi acometida de um tumor na cabeça. Os riscos da cirurgia eram altos. Mas minha amiga só soube a verdade depois que a operação já havia sido um sucesso. Essa mãe também teve de renunciar ao direito de sentir medo. Imagino, hoje, o quanto ela deve ter sofrido sozinha, em sua angústia, a cada consulta, a cada exame. E tudo com um sorriso no rosto e a aparente tranquilidade de sempre.

Deve ser verdade o que minha mãe sempre diz: "Depois que você é mãe nunca mais consegue dormir direito.". Faço um adendo para dizer que, muito provavelmente, depois que se é mãe você nunca mais consegue ser você plenamente.

E isso é de uma lindeza impossível de traduzir!

Por fim, apesar de saber que os filhos, que nem aguentam esperar o jantar, talvez não tenham nem chegado ao final do texto, quero contar só um conto bem curtinho sobre o que eu espero nesse Dia das Mães.

Meu tio Cosme, esposo de tia Linda, teve uma mãe nada convencional, com quem morou até bem pouco tempo. É que a mãe dele, nossa querida Morena, apresentou um quadro de Alzheimer, que em determinada altura da vida era apenas controlado, mas que jamais poderia regredir. 
Em determinados momentos ela mal conseguia distinguir o filho. Algumas vezes o chamava como se ele fosse o marido, outras vezes como se fosse outro filho. Em alguns momentos tinha raiva de todos, em outros - na maioria deles - era divertidíssima.
O fato é que Cosme sempre cuidou dela com a mesma serenidade e paciência por todos os dias em que conviveram. Mesmo nos momentos críticos, era ele que cuidava dela como uma mãe cuida do filho. E quando foi o aniversário de Morena, no dia 12 de janeiro (como ela costumava dizer a todos) e comemoraram junto com ela em um tipo de reunião da família, diante da menor insinuação de que ela nem sabia do que se tratava por conta da doença, era como se Cosme, com sua atitude, falasse: "Mas eu sei que é aniversário dela".
E foi assim por todos os dias, até que Deus a levasse para junto de si³.

Por isso hoje, filhos, junto com o presente comprado para "uma data comercial" - como dizem os chatos - tentem oferecer às mães de vocês um pouco mais.  Se ofereçam a elas, abandonando os egoísmos que existem mesmo nas mínimas coisas (na comida do almoço, no programa de domingo, no filme da televisão). Isso, com certeza vale mais que qualquer palavra.

Talvez não seja suficiente, mas ainda assim será muito.

É que no dizer de mainha*, e esta é uma verdade, "nós só aprendemos a ser filhos, depois que somos pais.". Para aprender a ser filho, é necessário aprender a arte da renúncia. E as mães merecem toda tentativa.





¹ Apesar de falar sempre em "mãe", obviamente também me refiro aos pais que são mães.
² Soraia, vulgo Maria Soraide, me deve uma lasanha de camarão até hoje! Bel, vou cobrar!
³ Morena nos deixou fisicamente em 26 de abril deste ano. Mas só fisicamente. A memória não morre.

*Mãe, te amo muito! Sei que não é suficiente nada do que eu já fiz ou venha a fazer, perto do que você já fez e faz por mim. Só queria que você soubesse que eu tenho muito orgulho de ser sua filha e de ter aprendido tudo o que aprendi com você! Estaremos sempre juntas!