O amanhã é invisível.
É sombra.
Não tem cheiro,
Não tem cor,
Não tem forma.
Não tem sabor.
O amanhã não tem nem porquê.
Não tem história.
Não tem saber.
Pode ser e pode não ser.
O amanhã é um velho novo que espera num telhado.
A nos jogar pedrinhas na cabeça
E nos fazer olhar pro lado.
O amanhã é uma criança velha
Que se ri dos nosso planos
E nos irrita por tanta espera.
O amanhã quem o conhece?
Quem?
O amanhã é ninguém.
Mas pode ser eu ou você.
Ou nós dois juntos.
O amanhã pode ser o mundo.
Ou pode ser nada.
Pode ser apenas uma estrada
Mas não é um lugar.
O importante do amanhã é só caminhar.
Percorrer, correr, andar.
O amanhã é intocável,
Incompreensível.
O amanhã é, de fato, risível.
E dele nos rimos de todo.
É sonho,
É doce.
É esperançoso.
O amanhã de ontem é hoje.
O amanhã de hoje é Ano Novo.
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Ostras.
Bichos que você não entende, em geral, são desprovidos de beleza. Ostras, por exemplo, são bichos muito feios. Dentro da concha você não entende o que se passa: cadê olho, boca, orifício respiratório? Ninguém distingue. Acho que é por isso que as ostras passam quase despercebidas. Ninguém lembra de "ostra" quando brinca de adivinhar nomes de animais com "O". Ninguém desenha uma ostra no mar. Há peixes multicoloridos, cavalos-marinhos e até polvos, mas ostra não. Tsc tsc. Nenhuma.
Sempre achei que esta fosse a razão de ser do termo "ostracismo". "A atriz fulana caiu no ostracismo". Isso significa que ninguém mais liga para a fulana. Ninguém mais sabe dela. A fulana foi esquecida como as ostras no fundo do oceano. Não, o termo vem de outra origem, mas, cá entre nós, é bem melhor a minha versão.
Eu mesma só vim a conhecer as ostras numa panela com dendê e outros mariscos, e mesmo assim sem concha. Continuava feia. Muito feia. Mas era gostosa e o molho disfarçava a feiúra da ostra. Crua eu nunca provei: para além das propriedades afrodisíacas, imagino que não deve causar uma boa sensação aquela ostra mole descendo pela garganta.
Só que a ostra é um bicho intrigante. Ostras produzem pérolas. Pérolas! Nenhum outro bicho mais bonito consegue produzir coisa tão majestosa quanto uma pérola. Impossível. Digamos que a feiúra da ostra é que lhe permite as pérolas. Não fosse aquela anatomia as pérolas não existiriam. Já imaginou um coala produzindo uma pérola? Ou um gato? Pérolas são joias raras vindos de um ser subestimado.
Lendo sobre como as ostras produzem pérolas, aliás, foi que passei a nutrir uma certa simpatia pelo bicho. Coitadas. Estão ali com as conchas abertas, tentando se alimentar, e de repente - não mais que de repente - são invadidas por um ser ou substância estranhos. A reação da ostra, para se proteger, é isolar o invasor, lançando sobre ele camadas e camadas de madrepérola. A sensação deve ser tão angustiante quanto areia nos olhos da gente. Aquilo fere e irrita até que a proteção natural cumpra seu papel. No caso da gente, a lágrima. No caso da ostra, a pérola.
Tem gente que vive que nem ostra, não porque seja feio ou tenha sido excluído da sociedade, mas porque sedimenta proteção em feridas que já deixaram de doer. Na ostra é bom: o resultado é sempre uma joia valiosa. Na gente é péssimo: o resultado é só medo, angústia, desconfiança e hesitação. E nunca mais uma concha aberta a outros "invasores".
Por isso eu acho que o ser humano é o bicho mais complicado que existe. Não que a anatomia seja difícil de entender: a gente vê o nariz, olho, boca e entende ele. É um bicho bonito, em geral. Mas nesse quesito de saber lidar com sofrimento, a ostra dá de 10 a zero. Na próxima vez que eu for a uma feira eu compro uma ostra e crio em casa. É um bicho feio. Muito feio, é verdade. Mas quem sabe eu aprenda com ela a cultivar pérolas de vez em quando.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Nenhuma carta de amor.
Nenhuma carta de amor pode ser tão mímica,
Pode ser tão trêmula,
Pode ser tão cálida.
Nenhuma carta de amor pode ser tão tímida
Ou tão escancarada.
Nenhuma carta de amor pode ser tão romântica,
Tão ridícula,
Tão estúpida,
Ou tão estranha, de tão confusa,
Ou tão difusa, de tão exagerada.
Nenhuma carta de amor pode ser tão nua,
Pode ser tão sua,
Pode ser tão eu;
Nenhuma carta de amor pode ser tão nós,
Pode ser tão voz,
Ou tão grito.
Nenhuma carta de amor pode ser tão livre arbítrio.
Pode ser tão suspiro,
Pode ser tão algoz.
Nenhuma carta de amor pode ser tão simples,
Ao mesmo tempo tão requinte,
Tão cheia do que senti.
Nenhuma carta de amor pode ser tão dolorosa
Depois de ler, tão rancorosa
E saudosa do que não vivi.
E ainda depois da lástima,
Do ponto final na folha pautada,
Apenas uma certeza restou:
A de que nenhuma outra carta será tão lágrima,
Será tão bonita,
Será tão rica ou tão bem escrita,
Quanto a que pra ti escrevi
No tempo em que soube do amor.
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