quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Nenhuma carta de amor.
Nenhuma carta de amor pode ser tão mímica,
Pode ser tão trêmula,
Pode ser tão cálida.
Nenhuma carta de amor pode ser tão tímida
Ou tão escancarada.
Nenhuma carta de amor pode ser tão romântica,
Tão ridícula,
Tão estúpida,
Ou tão estranha, de tão confusa,
Ou tão difusa, de tão exagerada.
Nenhuma carta de amor pode ser tão nua,
Pode ser tão sua,
Pode ser tão eu;
Nenhuma carta de amor pode ser tão nós,
Pode ser tão voz,
Ou tão grito.
Nenhuma carta de amor pode ser tão livre arbítrio.
Pode ser tão suspiro,
Pode ser tão algoz.
Nenhuma carta de amor pode ser tão simples,
Ao mesmo tempo tão requinte,
Tão cheia do que senti.
Nenhuma carta de amor pode ser tão dolorosa
Depois de ler, tão rancorosa
E saudosa do que não vivi.
E ainda depois da lástima,
Do ponto final na folha pautada,
Apenas uma certeza restou:
A de que nenhuma outra carta será tão lágrima,
Será tão bonita,
Será tão rica ou tão bem escrita,
Quanto a que pra ti escrevi
No tempo em que soube do amor.
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E ainda tem a audácia de dizer que não tem talento poético?
ResponderExcluirDeixo um de recordação, não menos bonito do que o seu. Ainda não entendi muito bem porque, mas algo na sua poesia me remeteu ao grande Fernando Pessoa. E mais especificamente...
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Adoro essa poesia de Pessoa, João!! E obrigada pelos elogios!
ExcluirÁlvaro de Campos
ResponderExcluirTodas as Cartas de Amor são Ridículas
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)