sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O que não é dito.

Pra quê falar alguma coisa,
Se entre nós pesa esse clima,
Esse silêncio das palavras,
De todas as palavras
Que não precisam ser ditas?

Pra eu dizer, enfim
Basta que te olhe.
Palavras e desejos saem inconscientemente dos meus olhos,
Saem junto com minha expiração
E se direcionam a você,
Como se você pudesse senti-las, ouvi-las
Só com teu olhar também.

Ao seu redor elas flutuam no ar,
e dançam,
cada uma com uma cor,
cada uma tentando te falar uma coisa
de tantas coisas que tenho guardado.

Eu queria, na verdade, era que uma delas,
imprudente e desavisada,
te alisasse
depois beliscasse teu braço
se preciso até te desse um tapa na cara.

E assim, quem sabe,
Você ouviria tudo,
Tudo aquilo que eu não preciso dizer.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

História curta de um amor na roça.

Em um dia ensolarado e limpo fomos (re)visitar uns povoados da zona rural de minha cidade. Poeira na estrada, mandacarus na paisagem inteira e aquele barro vermelho que fica na bota e na alma de quem viaja pelo sertão.

Chegamos a um povoado próximo à antiga roça do meu pai, que eu apenas aproveitei na minha primeira infância. O lugar tem um descampado imenso, casas ao redor em formato de "U' e beleza, muita beleza. O sol, quando se põe lá, parece que leva tudo que pode haver de ruim no mundo, deixando o ar impregnado de pureza e ingenuidade.

Batemos na porta da casa de uma família amiga. Apenas a esposa lá dentro. Aquele rosto espantado e feliz ao mesmo tempo.
- Menino, mas são vocês! Quanto tempo! Vamos entrando e não reparem a bagunça não. O Zé saiu ali mas já tá voltando. Querem uma aguinha?

Eu, mesmo sem sede alguma, aceitei. E fiz questão de ir buscar a água no pote de barro. Tirei a tampa e aspirei aquele "cheiro de água". Bebi, sentindo o gosto da água salobra.

Sentamos à mesa da cozinha e meus pais começaram a conversar com ela. Então minha mãe perguntou:

- E cadê sua filha, comadre?
- Oxe, não soube não?
- Não!
- O namorado "carregou"...
- Ah, entendi...

Eu é que não havia entendido nada daquilo. Sequestro? Fuga?

Só depois que saímos de lá é que minha mãe me explicou a história toda.
A filha da comadre namorava um rapaz, ao qual dedicava muito amor. Ele também a amava e queria a todo momento estar junto dela. Só que as famílias demoraram muito em ajeitar o casamento. Então, numa noite de lua cheia, cansados da espera, o namorado foi até o quintal da casa da namorada, a pegou pela mão e a "carregou" para a casa dele.

O detalhe: eles eram vizinhos.

Depois que a família da moça percebeu que ela não havia passado a noite em casa e que provavelmente o amor tinha se consumado, nunca mais questionou seu casamento.

E eu, invejosa que sou, fiquei a pensar em como deve ser bom morar num lugar em que ainda dá pra se deixar carregar pelo amor e depois não precisar dar mais nenhuma satisfação pros outros.


terça-feira, 13 de agosto de 2013

Dá saudade.

A gente tenta até disfarçar
E se fingir de autossuficiente
Mas ninguém consegue negar
A saudade do amor ausente.

Saudade da espera,
Da ansiedade,
E do coração que bate forte,
Mas tão forte,
E tão alto,
Que até faz vibrar a blusa
E gera aquele sobressalto.

Dá saudade de vigiar o telefone,
De ficar boba.
De ficar ridícula,
Mas bem abestalhada mesmo,
Do tipo que acorda cantando,
Suspirando.
Imaginando.

Dá saudade de ouvir "Baladas Românticas" em rádio clandestina.
Com a voz do locutor traduzindo as canções ao fundo.
Dá saudade de agarrar o travesseiro como quem abraça o mundo.
E de fazer versos que caibam em toda rima.

Dá saudade de ver a sombra do amor na penumbra da noite.
De pensar vê-lo na parede do quarto.
De escolher a roupa ao sair para encontrá-lo.
E de receber um beijo na testa que queima
E quase me fere,
Como ferro quente marca o gado.
Dá saudade até do desequilíbrio,
Porque minha vida é toda um norte e um ritmo
E às vezes é bom que alguém venha descompassá-la.

Da saudade de carregar no peito aquele sobressalto perene.
Aquele frio na barriga.
Aquele anseio no coração.
Aquele "Será?" na mente.
Aquele nervosismo ao se entregar.
E depois de tudo ficar percebendo gestos.
Olhando os detalhes da íris.
Velando sono enquanto dorme.

E as cartas.
Os filmes.
As serenatas.
Os nomes em árvore.
Os planos.
Os sonhos.
Os desejos.

Saudade.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Levezas

Sabe uma coisa que eu gosto?

Levezas
Levezas que não podem ser pesadas na balança da feira.

Tem as levezas que são sempre muito leves:
Riso de criança,
Carinho de vó
E coração de gente alegre.

Tem outras coisas que parecem pesar quase o mesmo tanto do mundo.
Com essas eu não quero aproximação:
Medo de perder alguém querido.
Gente que tem prazer em se sentir melhor que os outros.
Solidão.

Mas há algumas coisas na vida
Algumas poucas coisas
que são leves e pesadas ao mesmo tempo.

Quer um exemplo?
Onda do mar é pesada mas também é leve.
Aliança jogada fora é leve mais também é pesada.

Outras coisas eu ainda não sei
Se são pesadas ou se são leves.
Não há como precisar:
Saudade,
Amor à distância,
Poema que se escreve.
Pra esses nem existe balança
Com a qual se possa pesar.