O mundo está cheio de gente que existe. Infestado. Tem mais de 7 bilhões existindo por aí e podemos atestar isso através de nossas experiências sensoriais mais simples: vemos mais de uma centena de pessoas por dia, esbarramos nelas pelas calçadas e passarelas lotadas, sentimos o cheiro dos desodorantes e perfumes misturados ao suor do trabalho. O cotidiano nos reserva esse imenso encontro de desconhecidos nas padarias, no trabalho, nas ruas, nos supermercados, nas farmácias, nos shoppings, na praia. Estas pessoas existem, assim como existimos em algum momento pra elas.
Mas há pessoas, umas poucas nesse universo de gente, que não apenas existem. Há pessoas cujas lembranças duram mais que dois milésimos de segundo ou o cheiro instantâneo de uma colônia barata que se vai com o primeiro vento. Há pessoas cujo contato, ainda que efêmero, deixa em nós uma marca tão patente, tão visível, que permanecem em nós após o encontro promovido pela rotina. Estas pessoas acontecem. São eventos.
E por serem eventos, estas pessoas tem todas as características que só os grandes acontecimentos possuem: é impossível contar sua própria história sem citar aquela pessoa; se você fizesse uma linha do tempo de sua vida - dessas que se faz na escola sobre D. Pedro I - haveria a marca do dia em que conheceu aquela pessoa; aquilo que você é passa a ter relação direta com aquilo que a pessoa é pra você.
Se você teve a chance/sorte de ter uma vida coroada de pessoas-eventos, agradeça. Comemore. Ria. Espalhe ao mundo sua felicidade. Os bons eventos nem sempre costumam acontecer tão facilmente. Alguns chegam juntos. Outros demoram meses e meses para acontecer. Tem gente que passa toda a vida almejando acontecimentos tão marcantes. Tem gente que é mais espectador. Tem gente que acontece com uma frequência assustadora. Mas todos, de uma forma ou de outra, acontecem.
Na minha vida alguns desses eventos são tão bons que eu pediria empréstimo para comprar ingresso. Compraria com antecedência e esperaria com ansiedade. Alguns valem meses de espera na porta, munida de uma barraca de camping e cobertor. Eu colocaria uma foto do ingresso no facebook e escreveria "Faltam __ dias!". Correria pra pegar o melhor lugar e documentaria todo o show com olhos vidrados e memória acesa, cheia de admiração. É o que me fazem sentir.
Mais que isso até: posso dizer que muitas das pessoas com as quais convivo são verdadeiros festivais! São pessoas completas! Se apresentam de várias formas e em cada momento são únicas: às vezes tem uma carga dramática que me faz tensa ao assistir; outras vezes são dotadas de uma leveza que me fazem corar e esboçar o mais sincero sorriso de contemplação. Ser espectador de alguém é tão sublime quanto ser um evento na vida de uma pessoa.
E em nossos estranhos encontros de desconhecidos fiquemos alertas: infelizmente não se vendem ingressos de pessoas. Não temos hora ou lugar marcado. Não podemos esperar na fila. Não podemos ter uma prévia de grandes shows. E também os eventos não esperam pra acontecer. Não há necessidade de casa lotada. É tudo sempre uma questão de oportunidade e coração aberto. De se mostrar de verdade e também de assistir aos outros. É ser sensível a todos aqueles que podem virar uma marca em nossa linha do tempo: nossa história a qualquer momento pode se confundir com a história de um encontro.
Nem todos que passam por nós apenas existem. Uns acontecem. Sejamos bons espectadores.
Nem todos que passam por nós apenas existem. Uns acontecem. Sejamos bons espectadores.