Sempre que eu penso no prazer que tenho ao escrever, lembro de um episódio que marcou minha vida "literária". Na época eu nem tinha blog nem nada, mas me satisfazia escrevendo mensagens de aniversário um tanto diferentes dos padrões normais. Sempre gostei de surpreender. E a surpresa foi mais pra mim do que pra minha mãe.
Quando comecei a morar aqui em Salvador, meus pais não podiam alugar um apartamento. Eu morei na casa de uma tia. Éramos 7 num apartamento de dois quartos e uma dependência. Eu, menina do interior. Ainda meio besta, meio acostumada com a vida fácil das cidades em que todo mundo se conhece. Achava difícil me acostumar ao "modus vivendi" da capital. Perdi não só a convivência diária com meus pais e irmãos, mas também um pouco da minha privacidade e conforto. Apesar disso, jamais reclamarei: foi naquele apartamento de dois quartos que eu aprendi as maiores lições da vida.
No último ano que eu passei lá, em 2008, aos 17 anos de idade, minha mãe veio passar o Dia das Mães comigo. Quem tem pai/mãe no interior sabe o quanto é difícil estar presente nessas datas, sobretudo porque não é feriado: dias dos pais e das mães são sempre num domingo e domingo já é o dia do regresso à agonia da capital. Domingo, em geral, é um dia de reflexão e melancolia para os que voltam. Sempre assim.
Aquele dia das mães de 2008, contudo, foi diferente.
Minha mãe veio e eu, que adoro preparar surpresas, tratei logo de ir procurar um presente. Minha mãe tem muito bom gosto para as coisas e isso dificulta um pouco porque o que é bonito, no mais das vezes, é também caro. E foi este o meu problema daquele ano: falta de dinheiro pra comprar presente. Ainda não estagiava e a mesada vinha nos estritos limites de minha necessidade pra transporte. Nunca sobrava. E eu não tinha cartão de crédito. O que comprar?
Precisar mesmo minha mãe tava precisando de tudo: bolsa, sapato, roupa, perfume. O problema não estava na "precisança" e sim no que eu podia comprar. Isso tudo é caro e as lojas parece que não tem noção dos preços: sapatos por preços maiores que um salário mínimo. Absurdo. Algum tempo depois, quando eu começasse a estagiar, ia saber o que é dar duro por um mês inteiro. Imagine se fosse só pra adquirir um sapato? Falta de noção completa da loja.
Acabei comprando um conjunto de sabonete líquido e hidratante do Boticário por uns R$ 30,00.
Mas faltava alguma coisa. E aí veio a ideia, colorida e esvoaçante: eu ia fazer pra minha mãe uma pasta cheia de "atividades de Dia das Mães". Não sei se na escolinha de vocês era assim, mas quando eu era do 1º Período (vulgo "Jardim I"), na semana do dia das mães, nós fazíamos várias atividades. Um dia era confecção de um cartão, no outro dia era colagem com fotos de revista, artesanato e assim por diante.
Vocês não imaginam como foi divertido e especial fazer aquilo!
Na primeira página eu copiei a definição de "Mãe", no dicionário. Depois completei embaixo com a minha própria definição.
Depois, um desenho meu e de minha mãe, do único jeito que eu sei fazer: nós duas de vestido de princesa, ela maior que eu (embora isso não se coadune mais com a realidade), um sol com óculos escuros (embora eu nunca tenha me questionado porque ele estaria usando aquilo, já que os raios de sol saem dele!), gramado baixo, uma flor, uma árvore, uma borboleta voando e ausência de proporção nas coisas (a árvore é menor que a flor e a borboleta é quase do tamanho do sol). E pintei tudo.
Na próxima folha uma história em quadrinhos, no qual eu dizia porque eu achava importante ter um mãe. Tudo isso com direito a desenhos de homens-palito e textos do tipo "Minha mãe cuida de mim quando estou doente."
Adiante, o mais legal: uma colagem com todos os tipos de presente que eu gostaria de dar a ela. Carros importados, avião, joias, sapatos, roupa e tudo mais que eu recortei de uma revista. No topo da página a frase: "Mamãe, eu queria te dar tudo isso..."
Na página seguinte, a continuação do anterior. A frase "Mas enquanto não posso, te desejo tudo isso:" e um desenho de um presente, de onde saíam meus desejos de amor, felicidade, alegria e tudo mais de bom que só um filho pode desejar a uma mãe.
Quando eu dei esta pasta a minha mãe, sentamos nós duas na cama. Ela me olhava meio nervosa. Abriu o classificador. Fitou a capa e riu do desenho. A partir da primeira página ela só chorou. E eu também. Nossas lágrimas desciam mudas, pois nada precisava ser dito. Ao final, depois de tanto chorar com as declarações infantis e coloridas dos meus desenhos, minha mãe me disse:
- Foi o melhor presente que já ganhei na minha vida.
Aquilo me pegou tão de surpresa que nem eu mesma acreditei. E naquele momento eu senti que queria fazer aquilo mais vezes. Que queria emocioná-la e emocionar aos outros com um punhado de palavras ditas de uma maneira especial. Naquele momento é como se um anjo tivesse cochichado no meu ouvido: "Continue escrevendo, Mari, e quiçá um dia as pessoas se emocionem tanto quanto sua mãe."
Sei que escrever é um negócio de gente grande e eu estou só engatinhando nisso. Mas o fato é que eu sinto que nasci pra fazer isso, mesmo com todo o meu amadorismo. Sei que não tenho o talento dos grandes escritores, que só com uma frase bem colocada me fazem pensar sobre a vida. Não, não tenho. Tampouco tenho minha mãe como única avaliadora (embora ela leia meus textos e me diga de quais gostou mais).
Mas a tentativa de emocionar alguém é tão doce, tão recompensadora que sempre vale a pena. E sempre que alguém me fala que gostou de algo que eu escrevi, que lembrou da infância, ou que riu um bocado e se identificou com a situação, eu me vejo diante de minha mãe com os olhos cheios de lágrima e uma felicidade transbordante no peito por ter feito algo de bom pra alguém.
E é só por isso que eu escrevo e persisto. Pra me surpreender com o que posso causar nos outros e com o que eles podem causar em mim.
Mari, descobri esse agora! Putz, cada vez mais seu fã...aahhh, e um dia quero ganhar um cartão com toda essas inspirações, tah!? bjo!
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