Era só um botão de flor, desses pequeninos e insignificantes, que a gente costuma pisar sem nem perceber. Escondido na folhagem, por entre os ramos e folhas das demais flores, crescia pequeno e fechado, ouvindo o barulho dos beija-flores e das abelhas. Ainda não tinha desabrochado e isso era menos por vontade do que por exigência da natureza: não desenvolvera ainda a grandeza das pétalas e por isso mesmo esperava, impaciente, o dia de se abrir ao mundo.
Certa feita, ouviu de um besouro que passava a triste história de uma rosa amarela, que ao se abrir, espalhando perfume e cor, tivera a vida ceifada por um jardineiro e acabou servindo de enfeite no vaso do criado-mudo de uma madame.
Então tomou pavor da ideia de desabrochar. Não queria acabar como a rosa amarela, que mal tivera tempo de experimentar o abraço quente do sol de primavera sobre suas pétalas coloridas. O abrir-se era um risco muito grande, ainda que não passasse de uma margarida. O medo, então, se apoderou de cada pétala e cada porção da seiva fresca e jovem. Decidiu não se abrir. Nunca. Se pudesse, cresceria sempre no escuro de si mesma, protegida dos perigos que só atormentam a vida das pequenas flores.
Certa feita, ouviu de um besouro que passava a triste história de uma rosa amarela, que ao se abrir, espalhando perfume e cor, tivera a vida ceifada por um jardineiro e acabou servindo de enfeite no vaso do criado-mudo de uma madame.
Então tomou pavor da ideia de desabrochar. Não queria acabar como a rosa amarela, que mal tivera tempo de experimentar o abraço quente do sol de primavera sobre suas pétalas coloridas. O abrir-se era um risco muito grande, ainda que não passasse de uma margarida. O medo, então, se apoderou de cada pétala e cada porção da seiva fresca e jovem. Decidiu não se abrir. Nunca. Se pudesse, cresceria sempre no escuro de si mesma, protegida dos perigos que só atormentam a vida das pequenas flores.
E assim fez.
Dia após dia a florzinha aproveitava o que podia do sol em suas folhas e, estando repleto de nutrientes o solo, tratava de crescer sem ver a luz. E passaram-se semanas, até que a florzinha cresceu o suficiente. Estava pronta. Ainda com medo, relutou. Preferia continuar naquele contorcionismo de pétalas a deixar-se ferir de morte por um jardineiro cruel. Ouviu quando a tesoura gigante e afiada levara as demais e não queria ter o mesmo fim. E assim ficou só.
As borboletas e joaninhas desapareceram. Os besouros visitavam as flores da outra parte do canteiro, na certeza do pólen dourado. E a sensação de proteção, tão querida dos outros tempos, desapareceu. Era um alvo fácil agora. Atormentou-a a solidão adubada. Fechar-se ao mundo pode não ter sido uma boa ideia: ainda que tenha prolongado sua ínfima existência, não lhe garantiu a eternidade.
As borboletas e joaninhas desapareceram. Os besouros visitavam as flores da outra parte do canteiro, na certeza do pólen dourado. E a sensação de proteção, tão querida dos outros tempos, desapareceu. Era um alvo fácil agora. Atormentou-a a solidão adubada. Fechar-se ao mundo pode não ter sido uma boa ideia: ainda que tenha prolongado sua ínfima existência, não lhe garantiu a eternidade.
Pelo contrário, morreria igual às outras, só que machucada pela certeza de uma vida sem significado. Jamais veria os olhos humanos de admiração, não sentiria as carícias do vento da tarde, tampouco saberia o peso que tem o orvalho. Desconfortável e atrofiada, morreria feia e seca e talvez não fosse digna nem de enfeitar o próprio túmulo, se houvesse nesse mundo enterro de flor - esta história de enfeitar túmulo ela sabia porque um crisântemo contara-lhe o destino de seus irmãos, numa coroa de flores de velório.
Rápido, tratou-se de mexer as pétalas dobradas. Ia doer. Ela tinha certeza que doía. Era inevitável. Algo que se fecha por tanto tempo tem certa resistência à liberdade - e nisto se iguala aos corações. Mas aos poucos avançava até sentir os primeiros raios de sol. Desabrochou por completo. Era uma flor meio torta, é verdade, mas via-se com clareza que era uma flor.
E tão logo se abriu, um pássaro descuidado esbarrou nela, ferindo-a com o bico. As abelhas roubaram-lhe o pólen com violência. Os besouros subiam e desciam por suas pétalas, enquanto depositavam ovos de pequenas larvas. Cada promessa dessa primavera doeu.
Após meses, quando chegou o inverno, fechou-se novamente. Ainda lhe doíam as pétalas machucadas e o caule mordido pelas formigas. Estaria um tanto mais segura. Cansada que estava das mutilações, poderia até escolher se fechar novamente. Mas não. Quando chegou o tempo novamente foi a primeira a se abrir e se mostrar.
Percebeu que desabrochar fora sua melhor decisão - se é que podemos imputar ao livre arbítrio fato tão natural. Sim, fora uma decisão: também nós, humaos, somos naturalmente impelidos a viver, mas alguns decidem não fazê-lo. Se não tivesse escolhido se abrir, ainda que para conhecer a dor, seria para sempre um botão de flor insignificante e pequeno, desses que qualquer um pisa sem nem perceber. Mas para além das ferroadas dos marinbondos, da apropriação do pólen, e das pragas que llhe afligiam, ela enfim sabia bem o que era.
Ela era uma flor, não um botão.
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