Respiro profundamente. Depois, sento-me diante do computador, observando a tela brilhante onde um papel branco virtual me observa. Às vezes tudo isso acontece na minha cama: eu com um caderno velho no colo e uma caneta de escrita macia na mão.
Na cabeça, lampejos de pensamento. Esboços de ideias. O menino que vi correndo, a mulher que ria de si mesma, o homem suado do trabalho semi-escravo ou, quem sabe, a velha que observa da janela de uma apartamento o mundo lá embaixo. O que não vi, o que queria ter visto, as risadas, as conversas transeuntes, as melancolias surdas de tão baixas.
Mas tudo isso, na minha mente, são só fantasmas esvoaçantes. Pequenas luzes que vagam. Nada cria forma e na cabeça só o "zumzumzum" dos meus pensamentos arredios. Nada é pronto. Nada é acabado.
Até que magicamente, quase que seguindo a distância mínima entre o papel e a caneta, ou entre o dedo e o teclado, me vem o assunto, assomando das profundezas do meu existir. Vem aquele pedaço de mim que escrevo numa tentativa desesperada de não ser esquecida e virar um objeto embaçado nas mentes alheias.
Escrevo um pouco do meu silêncio, da minha voz, um pouco das minhas angústias, da minha vida. E mesmo quando retrato outra pessoa, às vezes é de mim mesma que falo. Escrevo amores, escrevo o sabor de caju e meu riso, ah, esse é pura sinestesia.
Escrever me aproxima de Deus, dos anjos e santos, do místico. Me aproxima da luz e da liberdade que não existe no corpo físico. Escrever me transporta, me conduz e me satisfaz, como se minha alma pudesse estar de barriga cheia.
Quem dera eu pudesse escrever a felicidade. Mas ela não se escreve, não se define, é pra sempre a massa alegre e multicolorida que aqui passeia. A felicidade não pode ser escrita pois ela existe no ato de procurá-la. Não se ata. Não se amarra. A felicidade é solta como um nó mal feito. Mas no escrever a tenho.
Uma vez um menino disse: "Sabia que você vai ser escritora?". Fosse outra época, eu acreditaria só no amor e não no talento. Hoje, depois de tudo, só sei da vocação: o amor, malandro que é, pode virar melancolia escrita num papel molhado de lágrima. Mas quem sabe? Talento e amor são frutos da sorte. Talvez...
Ser escritora me traz esse sopro de vida eterna, essa delícias, esses prazeres quase insustentáveis, invejáveis. Um escritor não escreve palavras, letras, nem frases completas. O escritor escreve a si mesmo. Um escritor escreve sonhos e nisso não vejo profissão mais perfeita.
Agora, findo o texto, finda a ideia, depois que escrevi, retiro-me. As mãos deixam o portal e os olhos ficam opacos pela falta da luz que vinha da tela. Acabou. Escrevi mais uma história, mas tudo que fiz foi escrever sobre mim. Respiro fundo novamente. É uma despedida sem dor. Na cabeça tudo gira em pensamento e continuidade, no peito a chama permanece luz e na barriga da alma, a sensação da mais pura saciedade.
Escrevo.
Leiam-me.
Leiam-me.