Pra quem não sabe, pé de manga é um dos maiores desafios de uma criança. É o nível mais elevado na escala evolutiva dos meninos de oito anos que sobem em árvores, logo acima da árvore da goiabeira. É mais alto, dá mais medo, mas os galhos são mais grossos e ásperos, dão mais sustentação.
Uma das maiores frustrações da minha vida era a falta de um pé de manga no meu quintal. Mas isso foi solucionado, pois quis Deus - e odiou minha mãe - que no quintal da vizinha tivesse um pé de manga bem alto, desses que provocam a imediata vontade de escalar até o mais alto galho.
Uma das maiores frustrações da minha vida era a falta de um pé de manga no meu quintal. Mas isso foi solucionado, pois quis Deus - e odiou minha mãe - que no quintal da vizinha tivesse um pé de manga bem alto, desses que provocam a imediata vontade de escalar até o mais alto galho.
Na minha época subir no galho mais alto do pé de manga era a maior glória que uma criança podia ter e também o maior desafio. Era a receita completa da felicidade: uma dose de aventura e de vitória, misturada com uma pitada de segredo - este ingrediente odiado pelas mães temerosas de fraturas expostas.
Mas valia a pena: cada galho, cada metro, cada lugar escondido e jamais alcançado representava a mais deliciosa das conquistas. Talvez em nossas ilusões da infância, o pé de manga era um ser forte e extremamente inflexível que ousávamos desafiar e que tantas vezes vencemos, cada um a seu modo.
Lembro que no alto ficavam as melhores mangas. Aquelas rosadas, grandes, mas não tão maduras. Estavam no ponto certo, "de vez", como chamávamos. E aí o segundo maior risco: comer manga com sal. Quantas vezes experimentei a subversão ao levar sal e comer a manga de maneira tão exótica e perigosa! - a combinação funesta de manga com cloreto de sódio, em nossas imaginações, só se comparava ao que hoje corresponde ao arsênico.
Desta maneira saboreávamos a manga junto com um pouco da imortalidade digna de grandes heróis. Aliás, chego à conclusão de que os meninos de oito anos são os seres mais corajosos que existem: ninguém mais enfrenta o medo de ossos quebrados, o medo da morte por envenenamento e o medo de uma mãe furiosa ao mesmo tempo.
Hoje eu mesma crio meus pés de manga e eu mesma tenho medo de escalá-los...Os galhos são outros, é verdade: carreira, relacionamento, amizades, família; mas eu não deveria ter tanto medo de me desequilibrar. Nem sal eu levo mais. Piso cada galho de uma maneira trôpega e ridícula, como Sinha Vitória andando de salto alto, como um equilibrista bêbado numa corda bamba.
Não sei, acho que falta em mim um pouco da coragem dos meninos de oito anos que sobem em árvores. Eu queria voltar a ser um deles. Teria o reconhecimento e respeito dos demais meninos. Chegaria em casa com um sorriso orgulhoso e triunfante e conseguiria esconder da minha mãe meus êxitos mais perigosos para então repeti-los cem, duzentas vezes. Experimentaria a felicidade infantil e perene. Seria imortal.
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