quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Sobre avós.

"Vovó, por que não tem dentes?
Por que anda rezando só.
E treme, como os doentes
Quando têm febre, vovó?

(...)
Meu neto, que és meu encanto,
Tu acabas de nascer...
E eu, tenho vivido tanto
Que estou farta de viver!"


Minha avó costumava recitar estes versos de Olavo Bilac quando eu era pequena. Apesar de achar graça da primeira estrofe, eu sempre senti uma pequena tristeza com a segunda parte. Mas minha avó ria e ria e me mostrava que não era sério aquilo de "estar farta de viver". E aí ríamos nós duas juntas. E qualquer fiapo de tristeza se dissipava naqueles risos.

Engraçado...as avós tem uma doçura que ninguém consegue ter - acho que por isso muitas delas são diabéticas. São tão doces e tão especiais que ninguém consegue se zangar com avó. Minha avó uma vez me mandou calar a boca. Fiquei com raiva dela por 10 minutos. Depois ela me apareceu com uma pipoca tão doce quanto ela e eu parei de ficar zangada.

Pensando sobre as avós, descobri porque a maioria delas não enxerga bem. A razão é bem simples: elas não precisam de olhos pra enxergar o que se passa em nossas almas. Elas conseguem ver e talvez o mais especial é que elas falam justamente o que a gente precisa ouvir como se não fosse direcionado a nós, como se elas conseguissem nos poupar da vergonha que às vezes sentimos de nós mesmos.

E como são contraditórias essas avós! Elas aparecem com essas marcas na pele envelhecida, com esse andar cansado de quem já viveu de tudo e ao mesmo tempo nos brindam com uma ingenuidade quase infantil. E parecem crianças em lojas de brinquedo. E parecem adultos esperançosos no futuro.

Avós tem o dom de contar e cantar casos repetidos e histórias que já ouvimos mil vezes. Avós tem o dom de dormir muito tarde, acordar muito cedo, cochilar durante o dia todo e mentir quando são pegas dormindo, como se estivessem fazendo algo errado. Avós tem sempre balinhas de mel na bolsa, junto com um saco plástico que ninguém sabe pra quê serve.

Mas avós também tem o maior de todos os dons, o melhor antídoto para qualquer tristeza (de coração partido a morte de cachorro), o mais poderoso de todos os gestos de carinho: o dom do cafuné. Cafuné de vó é o mais perto do paraíso a que se pode chegar em vida. Avó tem mão pesada e lenta, e vai falando devagar com uma vozinha um pouco rouca, embalando o mais tranquilo de todos os sonos.

Avós demandam paciência: elas nos seguem com passos lentos, são inseguras e frágeis. Seus ossos não nos aguentam mais nos braços - e nosso peso também não ajuda. As mãos agora tremem, fazendo quase uma sinfonia com o pires e a colherzinha à hora do café. E a gente sente essa fragilidade quase como uma despedida, mas só até nos depararmos com o que de mais firme elas possuem: este amor açucarado.

E de tão doces que são, suas existências parecem finos flocos de algodão de circo que vão sumindo no céu da boca. E uma dia, tal qual o algodão que se desfaz ao menor toque, elas também desaparecem, deixando uma saudade azeda, outras vezes amarga, mas sempre a mesma saudade do melhor cafuné e das histórias que sabemos de cor.

Dizem que a gente só aprende a ser filha quando se torna mãe e que só aprende a ser mãe quando se torna avó. Pode ser. Se assim for, minha avó é, além de avó, a melhor mãe. Mas avó é mais que mãe. "Avó é mãe com açúcar", li outro dia numa camiseta, e isto, pra mim, significa que são puro amor.






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