A Cecília andava toda serelepe pra cima e pra baixo. A festa de aniversário ia começar em pouco tempo e para as crianças é um evento que supera fácil o nível de atenção e preocupação que só a queda das torres gêmeas proporcionaria em um adulto.
Fantasia de princesa escolhida, cabelo bem penteado e, excepcionalmente, aquela sombra cor de rosa que a mãe deixara usar apenas naquele momento. Queria estar linda, mais linda que todas as coleguinhas da Turma B da 1ª Série. Neste dia não haveria aula, nem tarefa, nem recreio e as únicas palavras que a professora expressaria seriam advertências quanto à sujeira em sala.
E o mais importante: o Raul. Era um amor de infância, daqueles que se passa um cartão ou um papel de bala na esperança de um namorico tão efêmero quanto ingênuo: não duraria uma partida de bola de gude. Mas o Raul ia estar lá, talvez fantasiado de príncipe, ou de mágico, ou ainda de jogador de futebol.
Seria o dia em que todas as mães poderiam se dar ao luxo de esquecer das lancheiras dos filhos, pois sabiam que a festa seria farta e quem sabe até conseguiriam umas marmitas com alguns docinhos.
Enquanto as mães pensavam nisso e nos presentes que teriam de comprar, os filhos pensavam em coisas bem mais importantes e interessantes, como a sacolinha surpresa, por exemplo. O que teria dentro? Será que a mãe da Cecília comprara carrinhos pra colocar dentro da sacola? Que tipo de bala haveria? Teria pipoca, drops, big big e aquelas bolinhas que vem dentro de um canudinho? E disso dependeria todo o sucesso da festa.
Cecília no centro das atenções comandava todo o evento: da próxima música a tocar até a proxima brincadeira, ela era toda decisões! Estava fantasiada de princesa, mas podia ser vista por uma rainha, governando impetuosa aqueles súditos fantasiados que a seguiriam em qualquer empreitada.
Mas isso até chegar o Raul, porque quando ele chegou Cecília abandonou todas as brincadeiras e músicas para estar do lado dele. Queria que ele estivesse do seu lado em todas as fotografias e até deixara as outras meninas comandarem as brincadeiras, que antes ordenava com uma voz de autoridade.
Enquanto isso, Raul olhava para o centro das atenções da festa, que para ele não era Cecília, mas sim aquele Rei sentado na mesa, inatingível, guardado por um séquito de tias solteironas que se esmeravam em afastar as crianças num raio de 2 metros. Era ele, o Bolo. Os demais doces, igualmente intocáveis, fariam uma proteção exaustiva, pois enquanto comessem brigadeiros e enjoassem o Bolo permaneceria incólume.
Cecília sabia que se aproximava a hora certa. Ficou um tanto mais distante e pegou na mão de Raul, que agora via naquela mãozinha pequena e naquele pulso onde havia um relógio desenhado de caneta a única esperança de obter uma fatia do bolo inviolável. Deu um beijo na bochecha de Cecília.
Ela ficou toda vermelha. Pensou em mil cenas que já tivera pensando antes. Pra ela namoro era andar de patins de mãos dadas. Teria de providenciar um. Talvez alguém tivesse dado um de presente. Correriam até que ela caísse e ele, atencioso, sacasse um merthiolate que não arde de dentro do bolso da bermuda, curando-a dos micróbios e vermes que fazem o terror dos que tem 6 anos de idade.
Dividiriam os brinquedos e a angústia da prova de Ciências e talvez até umas bolinhas de gude. Cecília teria lugar reservado na goiabeira que a mãe do Raul conservava no quintal e furtaria umas goiabas sem medo de ser repreendida.
E antes que ela, perdida no pensamento da goiabeira, pudesse imaginar que ouviria o pedido do namoro assim tão rápido, Raul disparou, rápido como menino andando de bicicleta a favor do vento:
- Posso te perguntar uma coisa?
- Pode, Raul.
- Cecília, me dá um pedaço de bolo?
Mari, mais uma prova irrefutável do seu talento literário. Imagino quantos "Rauls" vão ter aquela sensação boa de nostalgia e felicidade ao ler o seu texto, igual a que estou tendo agora.
ResponderExcluirObrigado e continue nos presenteando,
Leo
ResponderExcluirMais um excelente texto, narrativa rica e um português perfeito.
Você sempre se superando hein, Super Mari! Já me vejo dizendo, em algum tempo, que sou amigo daquela escritora famosa e campeã de vendas!! :)
Marcial