quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Morrendo do avesso.

Lá dentro era escuro e quente. Silencioso. Translúcido. Um lugar onde a quietude e a paz eram constantes. Às vezes ouvia sons. Distinguia vozes. Certa feita ouviu um tipo de som melodioso e bonito, parecido com um som de sinos - assim descreveria mais tarde, quando enfim aprendesse o que eram sinos e o que era música.

Mas de onde vinha aquele som?

De um lugar lá fora, óbvio. Um lugar que não conhecia, do qual tinha medo: o medo natural de sair, de lá fora conhecer a imensidão. Pra quem estava acostumada a um lugar feito sob medida e tranquilo o suficiente, este medo transformava-se em terror. Mas enquanto desse ficaria ali esperando mais um dia, segura e confortável.

Tinha tudo de que precisava. E ainda tinha aquele som bonito que a visitava de vez em quando.

Às vezes sentia que o lugar onde estava ficava cada vez menor e parecia sufocá-la. Mas ainda assim era confortável o suficiente para conseguir se esticar e procurar exercitar-se da maneira que podia.

Por mais que não tivesse consciência de muita coisa, sentia que um dia haveria de sair dali, o que ocasionava em si um grandessíssimo medo do desconhecido. Do que haveria lá fora. Acostumada sempre sozinha, não sabia se encontraria criaturas, tampouco se seriam boas ou más, visto não saber o que era bondade ou maldade. Não tinha conhecimento de sentimentos humanos.

Assim vivendo, restava apenas ansiosa. Medo de engrandecer-se e também aos poucos de ficar pequenininha do lado de fora. O que haveria lá? O que faria? Estaria ainda só?

Depois de um tempo e elucubrações que nem imaginava poder fazer, sentia-se enfim sendo expulsa do seu lar. O medo apertou-lhe mais do que as paredes que agora lhe sufocavam, espremendo-a, fazendo-a tomar um caminho que não queria para si. Queria ficar ali quietinha, mas sabe-se lá como, alguém queria que ela fosse embora, que deixasse a segurança quente e úmida para se lançar ao desconhecido.

Agora que sabia que tudo a mandava embora, deixou-se ir. Passou a nadar na mesma correnteza e seguir o caminho que a vida tinha por natural. Questionou-se se talvez não estaria caminhando para a morte. Para um abismo. Para o contrário daquela existência. Sim, morreria. Mas morreria ao contrário, do avesso. Morreria para que encontrasse, enfim, a vida. Utilizou-se de um instinto que a tomou de assalto, juntou toda a coragem que possuía e foi.

E assim viu a luz. E outros iguais a ela. Respirou. Sons diversos penetraram pela primeira vez naqueles ouvidos delicados que pouca coisa tinham ouvido nos últimos tempos. A luz feria seus olhos. Mas pelo menos sabia que não estava só.

Daí pra diante era só deixar que a natureza fizesse o resto.

Nasci.

Um comentário:

  1. Ainda bem que você nasceu, Mari. E ainda bem que você nos brinda com os seus textos.

    PS: também já nasceu a escritora que existe em você.


    Beijos,
    Leo

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