terça-feira, 4 de setembro de 2012

Matrimônio e casamentos.

Nós nos prometemos amor, respeito e fidelidade. A companhia um do outro nos momentos de saúde e doença, riqueza e pobreza e um laço que duraria até a morte. Em verdade assumimos um compromisso, com todas as características que só um compromisso podia ter: era inadiável, era sério, era pesado. E assumimos isto diante daquela plateia de pessoas desconfortáveis em suas roupas de festa e penteados extravagantes. Aquele velho de batina à nossa frente e uma estátua de Jesus Cristo observavam a cena e dela participavam: um pelo compromisso da celebração - e que nos custara uma pequena fortuna - e o outro simplesmente porque alguém o colocara ali.

E foi assim que "contraímos matrimônio", termo jurídico totalmente correspondente com a seriedade daquele ato solene. Eu feliz, mas sem lágrimas. As pessoas todas viram e, se o padre estivesse certo, o próprio Deus estaria vendo duas pessoas manifestarem desejo tão sólido de serem marido e mulher. Mas eu não. O meu desejo mesmo era de tirar aquele vestido, que me oprimia tanto quanto a densa solenidade. Ainda assim comprei o tal vestido numa das promoções mais fajutas que já tive oportunidade de presenciar. Era tão pesado quanto o rombo no cartão de crédito.

Não pensem que aqui encontra-se uma mulher dissimulada, que fingiu gostar de um homem - oh, pobre rapaz - para com ele se casar e assegurar a meação. Não. Eu o amava e estávamos juntos há tanto tempo! Eu apenas questionava o porquê do matrimônio em si e da religiosidade que não estava presente em nenhum de nós. Decerto Deus, vendo a cena, teria exclamado: "Tomem vergonha, não sabem nem rezar um pai-nosso. Por que vieram fazer essa promessa perante Deus, se quase nunca me procuram?"

E parecia mesmo sem sentido. Era bonito, confesso. Flores brancas em todas as filas. Iluminação que colocava em evidência a igreja do séx. XVII ornada em ouro. A pesar sobre nossas cabeças, lustres magníficos. Do lado direito uma pequena orquestra. Mas, em que pese bonito, opressor. Incomodava-me ser o centro das atenções - eu, que nunca tivera problema com isso. Mas fizemos a cerimônia: 2 avós nervosas fizeram questão, uma de cada lado da grande família que agora se formava.

Não é que eu não queria me casar, ou não o amasse, ou não desejasse passar todos os dias ao lado dele. Eu desejava. Eu sonhava com isso! Queria dividir todos os pequenos problemas: a pia que quebrou, a margarina que faltou ou mesmo o ciúme daquela mulher decotada numa das primeiras fileiras da cerimônia e que agora olhava pra ele como quem pensa: " Que inveja da noiva!". Eu sempre quis tudo isso. O que eu não queria era ver uma coisa tão simples - o sentimento e a vontade de estar junto - se transformar em algo desconfortável, dispendioso e, permitam-me os amantes da cerimônia, chato.

E era simples. Era uma vela em vez de um lustre pesado! Era uma única rosa em vez de bolas de flores e daquele buquê, ambos caros. Era uma pulseira de palha comprada naquela viagem à praia, em vez da aliança de grosso calibre que agora deveríamos ostentar nos lugares públicos. Era ele lambendo do meu dedo um pouco do brigadeiro de panela que queimara (mas ele não sabia disso) e não docinhos finos de damasco com amêndoas e castanhas, cuja centena me custara mais que a panela com a qual eu poderia fazer meu brigadeiro por toda a vida.

Até porque eu já tinha me casado com ele outras tantas vezes: naquela noite no balanço da rede em frente ao mar, com uma lua que parecia inventada; naquele dia em que nós fomos ao almoço de família e ele, cansado, dormira em meu colo ressonando tranquilo; na ocasião em que eu o surpreendera escondendo um objeto quebrado da casa só pra não me ver zangada. Nos casamos sobretudo na cama. Todas as noites. E no jardim jogando bola. Nos casamos uma vez no carro e outra vez num avião. Em segredo, mas casamos.

Ele sabia disso, tanto que uma vez um de nossos amigos perguntou:
- Tantos anos de namoro e não casaram ainda?
- Mas claro que já casamos! - disse ele.
- Quando?
- Todo dia.

E por já me ver tão casada não imaginava o porquê de toda aquela pompa pra subverter nossos sentimentos mais leves. Por isso fiquei tão feliz quando acabou. Quando o padre disse: "Vão em paz e que o Senhor os acompanhe". Quando percebi que, embora dura naquele vestido que parecia pesar duas toneladas, não haveria mais a pressão das avós e dos pais. Por mim aliás, continuaríamos "amigados", termo pejorativo que minha sogra sempre falava e com o qual eu sempre tivera afinidade: a amizade, mais que o amor, perdura e se reinventa.

Agora, enfim, com o final da cerimônia, poderíamos continuar nos casando. As testemunhas seríamos apenas nós dois, em qualquer lugar do mundo, com qualquer roupa ou sem roupa. A comida? Qualquer uma. Talvez aquela macarronada, a única coisa que sei fazer - para desespero de minha sogra. Nos prometeríamos mais do que fidelidade e mais do que amor. Nos prometeríamos em segredo, cada um com seu sentimento, o que quiséssemos.

E naquele dia de maio, no local de festas, a última provação pela qual eu deveria passar, ele me puxou para um canto longe de todos com uma garrafa de champagne na mão, serviu duas taças, me deu um beijo apertado e disse que me amava. A euforia era tanta que bebemos tudo de um só gole. E aí sim nos casamos pela primeira vez naquele dia.

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