Ele tinha um senso de humor invejável e olhos muito brilhantes. Algumas pessoas tem olhos que nunca vão brilhar daquele jeito, mas os dele faiscavam. E por isso mesmo eu pousava os meus ali, enquanto, em vão, tentava raciocinar. Era inteligente, agradável e tinha um ar de esperteza e de serenidade ao mesmo tempo, como se nunca hesitasse em fazer qualquer coisa. E era belo. Mas, como todos os que um dia me tiraram o fôlego, tinha um defeito imperdoável.
Ele era casado.
Casado. Bem casado. E tinha que ser. Não era privilégio meu a força daquele olhar que me via já nua, despojada de toda a sorte de fingimentos. Era casado. A aliança comprovava e me provava que jamais seria aceitável que eu o tivesse comigo. Não seria digno, diriam alguns. Não seria certo, diriam outros. Não seria justo com você, diria eu no espelho.
Mas dignidade não é bem o que eu queria dele. Nem amor. O que eu queria era qualquer coisa diferente de algo digno; qualquer coisa instável e sórdida, mas que me deixasse em paz com o mundo. O que eu queria era justamente o frio na barriga e o lábio tremendo, ambos cientes daquela atração deliciosa somente comparável à atração que me dá a altura daquele penhasco íngreme, me fazendo querer alçar vôo em queda livre.
E era assim que eu o queria. Como uma perdição. Como o primeiro e nefasto gole de uma deliciosa cicuta. E por isso não me preocupavam os pensamentos alheios. Não me abalava a falta de compromisso, a imprevisibilidade. Não me causava qualquer tipo de remorso pensar na mulher dona da aliança gêmea da dele. Nada. Nada iria me demover do que já me consumia inteira, porque era naqueles olhos sabedores de tudo que eu sabia de mim.
Com ele em qualquer lugar eu era muito mais eu do que jamais fora. Pra ele eu podia ser qualquer coisa: um joguete, uma diversão, um bom papo, um dia diferente na rotina matrimonial. Mas pra mim eu era bem mais que tudo isso. Ao me olhar no espelho depois de encontrá-lo minha expressão era triunfante e segura, ao contrário do que seria em geral. Nunca me senti tão bonita quanto depois de vê-lo. No espelho uma mulher linda me olhava a cada noite dessas, sem me condenar ou me repreender, e a ela eu retribuía com um sorriso vitorioso.
Mas um dia, para a felicidade dos que me condenavam, ele se foi. Sua ida foi tão imprevisível quanto cada uma de suas voltas. E eu sabia que seria assim, embora me lamentasse. Não senti o término de um relacionamento, pois que nunca o tive. Tampouco senti o peso de estar só. Ele se foi como as coisas boas que um dia passam.
Não fiquei triste.
Não chorei.
Apenas soube que não mais voltaria a pousar meus olhos nos dele e que talvez devesse me acostumar com mãos vacilantes, tão diferentes daquelas sempre seguras e obstinadas. É uma pena voltar a raciocinar. Pensando bem, não era amor não. Era muito mais. Era eu. E isto é que me faz falta às vezes.
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