terça-feira, 25 de setembro de 2012

Crescer dói.

Quando eu tinha entre 7 e 10 anos sofria de dores fortíssimas nas pernas. Era comum chegar em casa e chorar, pedindo à minha mãe que fizesse massagem porque eu estava com "dor de perna" - batizei a dor com esse nome.

Minha mãe fazia massagens com gelol, mas a dor era insuportavelmente profunda, como se viesse dos meus ossos. A massagem funcionava, até, mas era comum que eu tivesse isso com frequência, o que deixava a todos procupados, sobretudo meu pai, que em sua sutileza dizia que era podia ter um tumor.

Pra uma criança é duro de ouvir um negócio desses, ainda mais partindo de um pai, que pra mim estava sempre certo. Mas depois de um tempo eu aprendi que ele é assim mesmo - só pra vocês terem uma ideia, meu pai já se despediu de mim 3 vezes, achando que ia morrer em três cirurgias: uma de cálculo renal, outra para retirada de uma hérnea no umbigo e outra pra tirar um nódulo na nuca. Em todas estas situações eu recebi mensagens de texto no estilo "Minha filha, foi um prazer ter sido seu pai.", só pra vocês conhecerem a figura.

E meu pai estava errado quanto ao meu tumor na perna.

Depois de anos sem saber o que era, e depois de ter sumido a bendita dor, assisti a uma reportagem do Globo Repórter em que mostrava crianças que sentiam o mesmo tipo de dor que eu. Era a dor do crescimento, cuja causa específica ainda não era conhecida, mas que relacionava-se ao desenvolvimento dos ossos, músculos e tendões. É mais comum do que se pensa, e costuma preocupar os pais, já que não há sinais externos de vermelhidão ou inchaço. E eu, muitas vezes atormentada pela idea de ter um tumor, não me dava conta de uma verdade tão simples quanto inevitável: eu estava crescendo.

Pensei que crescer só doesse no coração. No fato de ter de abandonar a mais deliciosa das rotinas: brincar 90% do tempo e usar os outros 10% pra tomar banho e fazer dever de casa. Subir no pé de manga da vizinha, assistir 4 horas de desenho animado, escorregar na varanda enquanto minha mãe tentava lavar o chão todo ensaboado, ler meus livrinhos infantis que sempre vinham cheios de lições (às vezes mais especiais que as dos meus professores, saber que correr é divertido e apostar corrida pra fazer tudo, jogar gude e brincar de brigar.

Abandonar essas coisas gradualmente dói demais. Toda vez que eu volto pra casa e leio um dos meus livros infantis dá vontade de chorar e pedir uma massagem no coração. Embora eu possa lê-los novamente e recolher as mesma lições, aqui dentro eu sei que não é a mesma coisa e nunca será. Posso brincar de novo de qualquer coisa, mas haverá menos graça e o sabor não será de manga. Meu tratamento paliativo, então, é brincar com uma vizinha minha amiga, que tem 8 anos. Ela pensa que ela é que se diverte brincando comigo, mas na verdade é ela, que me fazendo criança de novo, acaba por me resgatar e me lembrar de como era bom sentir aquela dor nas pernas.

Sim, agora eu sei que era uma boa dor. Significava que eu estava crescendo, mas ainda não tinha crescido por completo. Hoje eu sinto falta da dor física que antecedia essa minha dor na alma por ter de crescer. Hoje não me dói mais nada. Só a saudade.

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